'O Acidente' : longa de estreia de Bruno Carboni transforma possível tragédia em oportunidade de diálogo | 2023

NOTA 7.0 

Por Rogério Machado 

Muitos são os caminhos  que uma narrativa pode tomar para se falar de maternidade. São inúmeros títulos que discutem o tema, uns repletos de inspiração e outros que não conseguem transmitir a mensagem a que se destina. Em 'O Acidente', que está na mostra competitiva de longas gaúchos no  51° Festival de Cinema de Gramado e que chega ao circuito comercial na próxima semana, muitas são as mensagens distribuídas nos 90 min de projeção, e para além da maternidade, o longa de estreia na direção de Bruno Carboni nos leva para o íntimo de uma mulher que busca dar amor e ser parte de dele. 

Na história vamos conhecer Joana (Carol Martins), uma tradutora que ama transitar pela cidade de bike mas que um dia é vítima de um atropelamento. Ela foi carregada no capô de um carro por um longo trecho após antagonizar com a motorista que a cortou. A jovem sai ilesa e decide esconder o ocorrido de sua parceira, Cecília (Carina Sehn), temendo que isso afete os planos do casal, já que Joana está as vias de ter um filho. Porém, um vídeo viral aparece online, obrigando-a a prestar queixa na polícia. À princípio relutante, o casal entra na vida de Elaine, a motorista, seu ex-marido Cléber e seu filho Maicon, um introvertido cineasta iniciante que foi o responsável pela tal filmagem. 

Esse drama intimista nada mais é do que (por mais contraditório que isso possa parecer) uma investigação cheia de afeto  da selvageria gratuita, da intolerância e dos efeitos nocivos da falta de diálogo. Joana vem nessa quebra de padrão que acaba sendo um o de ligação de uma família heteronormativa que já não se entendia, isso com um filho no meio do olho do furacão, habitando por entre os desejos egoístas desses pais. Joana se sente atraída por aquela história. De certo, muito de suas ações, dizem respeito ao seu instinto maternal que àquela altura já dava sinais vigorosos, independente das perdas e traumas que porventura venham a transitar nessa pista para disputar espaço com sua bicicleta. 

Segundo Carbone, a ideia do filme surgiu de um vídeo que o cineasta encontrou na internet há alguns anos, no qual mostrava uma ciclista sendo carregada no capô de um carro dirigido por outra mulher. Zero de empatia entre duas mulheres num mundo onde se fala de sororidade - um clima de inimizade que paira no ar e que reflete tempos sombrios. Quem sabe por conta de vivermos em tempos de embates ideológicos em função da polarização política? Carboni  parte da  ausência de diálogo que essa divisão causou, mas abre infinitas possibilidades de interpretação. 'O Acidente' é mais um exemplo da boa fase do cinema gaúcho, que encontra sim alguns percalços no caminho para transmitir sua mensagem,  mas que  tem seu ponto alto no clima de tensão e na proposição de um debate interessante à partir dos créditos finais.