'Gran Turismo: De Jogador a Corredor' : história real traz Neill Blomkamp de volta à boa forma em filme cativante | 2023
NOTA 9.0
Champanhe é só para o pódio
Por Vinícius Martins @cinemarcante
Quando o diretor sul-africano Neill Blomkamp realizou 'Distrito 9' quatorze anos atrás, os olhos do cinema mundial se voltaram para ele de forma imediata. Seu filme de estreia teve quatro indicações ao Oscar, entre elas Melhor Filme, mas a expectativa para seu próximo trabalho gerou um burburinho que infelizmente não se consolidou. 'Elysium' (2013), assim como 'Chappie' (2015) e 'Na Mente do Demônio' (2021) foram decepcionantes ou no mínimo problemáticos, tirando do nome de Blomkamp qualquer expectativa de um novo bom filme, que fosse tão memorável quanto o de 2009. Contudo, observando o entusiasmo cativante que seu novo filme me deixou, posso afirmar com segurança que 'Gran Turismo: De Jogador a Corredor' é o melhor filme de sua carreira desde o longa de estreia. Claro, não é tão excelente quanto, mas é uma experiência cinematográfica gratificante e muito bem acabada.
Não se engane; 'Gran Turismo' não é um filme sobre o jogo, mas sim sobre seus jogadores - e mais ainda, é um espetáculo feito com amor para eles. Retratando a história real de Jann Mardenborough (interpretado por Archie Madekwe), o filme coloca seu público em uma das competições mais inusitadas do século XXI, quando a parceria inesperada entre Playstation e Nissan possibilitou um campeonato que reuniria os melhores players para um treinamento em carros reais, onde o vencedor da corrida final se tornaria um piloto de verdade e competiria feito gente grande. Muito do filme infelizmente foi previamente mostrado no trailer, tirando praticamente todo o caráter de surpresa que a trama poderia ter. Contudo, a condução de Blomkamp aqui é tão graciosa que é possível se flagrar torcendo pelo óbvio e se sentir feliz com isso. Até mesmo quem não viu o trailer consegue antever o que acontecerá, mas as poucas surpresas que o filme guarda se bastam para manter a atenção da plateia e recompensá-la com um show todo estilizado, como uma personalização específica para os devotos do jogo. São sons, sinais de tela, displays e ângulos de fotografia que se mostram sublimes aos amantes do jogo simulador de corrida mais famoso do mundo.
Contudo, essa apreciação não é universal. Na saída da sessão que peguei, ouvi uma conversa alheia entre dois caras enquanto nos encaminhávamos à saída da sala. O comentário de um deles me chamou atenção, pois argumentava que o roteiro do filme era fraco e a jornada do protagonista não tinha grandes dificuldades. Em outras palavras, aqueles dois caras acharam o filme chato. Tendo eles em mente (e também uma parcela do público que possa compartilhar dessa opinião), vou advogar em favor do filme destacando dois pontos: 1⁰ - o filme conta uma história real, com pessoas reais e problemas/dilemas reais - e a realidade dificilmente segue as problemáticas hollywoodianas. A realidade é crua e sem rodeios, e a trama do filme em questão não carece da glamourização enlatada dos blockbusters que vemos convencionalmente (mesmo embora seja este aqui um filme bastante formulaico). Claro, tão importante quanto o que é contado é a forma como se conta, mas o roteiro, embora não traga nada de extraordinário ou inovador, também não peca em sua estrutura e mantém um ritmo crescente que evolui organicamente mesmo com algumas convenções. 2⁰ - cinema é experiência, é viver um momento e uma jornada, e mesmo que o público já saiba ou consiga deduzir o desfecho, os caminhos que levam a ele são satisfatórios e muito bem orquestrados. Sua cadência é cativante e empolga gradativamente, tornando a ação de assisti-lo extremamente agradável e recompensadora.
Esteticamente belo e com uma dinâmica de fotografia e efeitos devidamente bem empregada, 'Gran Turismo' se torna surpreendente justamente por abdicar de grandes complexidades e focar em relações humanas, com uma trama simples e facilmente palatável. As presenças de Orlando Bloom e David Harbour engrandecem ainda mais o filme, que tem ótimas interpretações inclusive em seu elenco de apoio e possui soluções criativas bem engenhosas. É filme para Oscar? Talvez em categorias técnicas como a de melhor som, mas nada além disso. O filme é um produto e nos lembra disso o tempo todo, estampando as logos da Sony, da Playstation e da Nissan, além de meia dúzia de outras marcas que fazem merchan durante suas quase duas horas e meia - mas há de se convir, o produto é bem apresentado nas marcas que vende mas também principalmente na mensagem que quer passar - assim como fez Danny Moore (personagem de Bloom, que é uma referência a Darren Cox, o empresário real criador do projeto GT Academy), que acreditava que um jogador poderia sim se tornar um piloto e que sonhos absurdos poderiam se tornar reais.
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