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'Nardjes A.': o oportuno registro do clamor da juventude argelina por democracia | 2023

NOTA 6.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme


“Somos uma república e não um reino.”

“Nardjes A.” surge como o testemunho de Karim Aïnouz frente às manifestações ocorridas na Argélia em 2019, momento em que estava no país para as filmagens de seu personalíssimo “Marinheiro das Montanhas”, documentário que também chega aos cinemas nesta quinta-feira. Inserido no turbilhão dos protestos que buscavam impedir o quinto mandato de Abdelaziz Bouteflika, o cineasta pernambucano se coloca em meio à juventude argelina, elegendo como figura central uma neta de revolucionários que ajudaram na luta pela independência do país africano, obtida somente em 1962.

Mais uma vez, o realizador de “O Céu de Suely” e “A Vida Invisível” exprime seu interesse por figuras femininas – o que também se manifesta de modo tocante em “Marinheiro” – ao colocar como nosso guia a jovem idealista que dá nome ao longa durante os eventos ocorridos justamente num 8 de maio, data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher. Talvez influenciado por esse momento tão simbólico, o diretor faz questão de nos deixar sempre muito próximos de Nardjes em sua perambulação nas entranhas do movimento, com regulares pausas para suas considerações sobre motivações e aspirações futuras. Todo o longa é permeado por sua esperança na conquista das condições necessárias para a construção de uma democracia forte e livre do chumbo sombrio cuspido há décadas pelos quartéis – um sonho distante por estas bandas também.   

No âmbito estético, a mobilidade proporcionada pela câmera do celular é um ganho por permitir que a equipe não chame tanta atenção em meio à multidão, o que garante a captura de cenas bem significativas como aquela em que os manifestantes dão uma pausa nas reivindicações para que exerçam sua fé, ou até mesmo outros mais descontraídos como quando o caráter combativo dá lugar a uma espécie de happy hour após o intenso dia de militância. No entanto, a escolha de Karim por uma linguagem mais objetiva tira do filme um caráter íntimo que lhe daria a oportunidade de oferecer outras camadas, a exemplo do que é feito com maestria no supracitado “Marinheiro das Montanhas”. Da forma como a obra se apresenta, poucos são os elementos capazes de comunicar a imensa identificação do realizador com a jornada de Nardjes, com pouca abertura para algo além da sensação de um natural olhar atento de um artista progressista a acompanhar de perto uma empolgante marcha de sedentos por democracia.

Escala que ganhou um aspecto quase obrigatório em viagem de cunho bastante pessoal, “Nardjes A.” é o oportuno registro de um grito sufocado ao longo de muito tempo por generais viciados em poder e privilégios.  Com essa dupla de documentários, Karim Aïnouz cria um capítulo especial em sua carreira ao conciliar, em maior ou menor grau, buscas particulares a uma percepção histórica de um país que deixou de lhe parecer estrangeiro e, assim como disse em entrevista concedida ao Canal Brasil, por também ter conseguido enxergar sabiamente pontos de interseção com a realidade brasileira e de interesse com o público que aprecia o seu cinema.  







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