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'O Conde': longa aborda de forma satírica uma das figuras mais infames da história latino-americana | 2023

NOTA 9.0

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 


O cinema e a arte em geral são intrinsecamente políticos. Nesse sentido, é notável como a exportação audiovisual latino-americano encontrou uma voz poderosa nessa abordagem. No último ano, "Argentina 1985" conquistou reconhecimento em festivais e salas de cinema nos EUA, culminando em uma indicação ao Oscar. Os argentinos já haviam trilhado esse caminho de sucesso com "A História Oficial", vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1986. O Chile também se destaca com uma vasta gama de trabalhos com essa temática e, por coincidência ou destino, o país abriga um dos melhores diretores na arte do cinema político. Pablo Larraín, conhecido por sua carreira consolidada em Hollywood, com filmes como "Jack" (2016) e "Spencer" (2021), ganhou notoriedade internacional com "No", vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, e que acompanha um personagem central da ditadura chilena. Em "O Conde", Larraín retorna ao tema, mas com uma abordagem menos convencional. Utilizando da sátira, humor peculiar e uma estética gótica, o cineasta desconstrói a figura de Augusto Pinochet, o general que comandou uma sanguinária repressão militar que assolou o país por 17 anos. 

Na trama, Augusto Pinochet assume a figura de um vampiro com origens que remontam à Revolução Francesa. Após uma existência que se prolonga por incríveis 250 anos, já envelhecido e melancólico, ele decide buscar meios de encerrar sua vida de uma vez por todas. 


A opção pela sátira ao abordar um tema tão grave pode sem dúvida representar um desafio para muitos espectadores, especialmente para aqueles que têm uma conexão profunda com os acontecimentos. Mesmo depois de mais de trinta anos desde o fim da ditadura, eventos como esse deixam cicatrizes que muitas vezes são impossíveis de curar completamente. Essa sensibilidade é agravada pelo ressurgimento da extrema direita em todo o mundo, tornando o terreno da comédia, um verdadeiro campo minado. No entanto, Pablo Larraín não é um cineasta comum. Ao zombar do já falecido Pinochet, ele nos alerta para o fato de que a sombra dessa figura tão nefasta, ainda paira sobre nós. 

A estética do filme evoca os icônicos filmes de monstros da década de 30, quando a Universal Studios lançou clássicos como 'Drácula', 'Frankenstein', 'O Homem Invisível', entre outros. A escolha pelo visual em preto e branco não só nos transporta para essa época, como também suaviza a intensa violência presente ao longo da trama, afinal, ela envolve uma criatura insaciável por sangue. Ainda nesse contexto, é curioso como o vilão distingue o sangue latino-americano dos demais, o colocando como inferior, porém, mesmo a contragosto, precisa alimentar-se de seus corações. Uma analogia perfeita ao totalitarismo e à maneira como ele drena do povo o que é essencial para sua sobrevivência ao mesmo tempo em que os despreza em sua essência. 

Vencedor da categoria de melhor roteiro no Festival de Veneza 2023, "O Conde" chega em um ano que marca o 50º aniversário do golpe que derrubou o governo democraticamente eleito de Salvador Allende, culminando em seu trágico assassinato em pleno Palácio de La Moneda, sede da Presidência. Ao longo desse meio século, olhamos para trás com pesar, lembrando os mortos, feridos e exilados. Essa recordação é de extrema importância, contudo o que Larraín nos traz é uma reflexão sobre como a aparente decadência de antigas crenças e ideias pode trazer consigo fórmulas perigosas capazes de ressuscitar males antigos. Estejamos atentos. 








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