Festival de Cinema de Vitória: 'Represa' | 2023
NOTA 7.0
Por Vinícius Martins @tesouronacional
O cinema, enquanto ferramenta alegórica, é muito útil e perspicaz no didatismo de seus ensinamentos. Alguns deles se fazem mais nítidos, estourando como um rompante nada sutil, enquanto outros se estabelecem com classe, evidenciando a mensagem com a delicadeza de um alfinete - que, apesar da aparência frágil, são incisivos e podem até mesmo fazer sangrar; ainda outros ensinamentos, no entanto, se absorvem em camadas a serem desbravadas após o término da sessão, e seus reais sentidos só são percebidos após a passagem de dias, quando a obra retorna à memória acidental e ocasionalmente. O longa-metragem cearense 'Represa', que foi exibido na segunda noite da 30ª edição do Festival de Cinema de Vitória, se equilibra entre essas vertentes e as mistura bem, como se brincasse em uma corda bamba fingindo se jogar para os lados e nunca caindo de fato, sempre plenamente consciente do próprio alegorismo.
A abordagem que o diretor e roteirista Diego Hoefel dá aos estereótipos é bastante curiosa. Alguns deles se confirmam, outros não, mas Hoefel nunca os coloca no lugar comum da ofensa popular. A tal represa ao qual o título faz referência é um lugar físico, como o filme bem mostra, mas a parábola do roteiro a implementa como uma barreira espiritual cuja interpretação navega em cultura, dialética e família em uma jornada emocional aparentemente rasa, mas que se mostra gradativamente profunda à medida em que se adentra. O filme transborda um amor bruto, represado em estigmas sociais e histórias diferentes com a mesma origem - entretanto, essa brutalidade não surge como agressão, mas sim como um reflexo do choque cultural entre pessoas tão distintas que tem tanto em comum, principalmente quando colocadas lado a lado para fins de comparação. A construção da trama, segundo seu próprio diretor, capturou histórias reais para compor com veracidade a identidade regional - e me questiono quanto do filme é real e o quanto é liberdade criativa. De qualquer modo, essa história de homens tão polares cresce não pelo que fala, mas pelo que quer dizer em suas entrelinhas.
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