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'Reflexão': longa ucraniano é um rigoroso retrato do horror da guerra que se torna cotidiana | 2023

NOTA 7.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme


Aponta para um triste fenômeno o fato de guerras longevas caírem, pouco a pouco, no esquecimento. As imagens que, nas primeiras semanas de conflito, chocam o mundo e criam um misto de lamento e preocupação têm seus efeitos esvanecidos com o passar do tempo e com a gradual diminuição de informações transmitidas pela sempre ávida por novidades indústria jornalística. Assim, a atenção para as atrocidades que, geralmente, ocorrem de parte a parte saem do radar de boa parte da população mundial que, em tese, não teria ligação direta com o confronto. “Reflexão”, longa ucraniano que chega nesta quinta-feira aos cinemas, é mais uma tentativa do cineasta Valentyn Vasyanovych (“Atlantis”) em reacender o debate acerca do horror que assola aquele território já bem antes do início dos ataques russos iniciados em fevereiro de 2022.

O plano inicial, de certa forma, corrobora com a ideia de uma aparente naturalização da guerra no que tange à vida do cidadão comum. Com um enquadramento rígido e simétrico (marca que será o norte estético de toda a produção) vemos o médico cirurgião Serhiy encontrando-se com a ex-esposa - acompanhada de seu novo marido - e a filha num espaço destinado à prática de paintball. O clima agradável, embora os semblantes transpareçam cansaço e preocupação, só é quebrado pelos disparos daquelas armas não letais, encaradas por todos ali como uma mera diversão sem qualquer significado, algo que já prepara o espectador para o que virá a seguir. Tão logo arremessado no campo de batalha e capturado pelo inimigo, Serhiy, além de um dilema pessoal fruto de um ato de piedade, vai se deparar com o que de pior eventos dessa natureza podem produzir no ser humano, processo ironizado em frase na lataria do caminhão destinado a incinerar os corpos dos prisioneiros que não resistem às sessões de tortura.    

A violência é filmada sempre com o mesmo distanciamento de quaisquer outras situações presentes na obra, o que em absoluto abranda seus efeitos. Vasyanovych consegue, assim, causar incômodo sem recorrer às facilidades do close e da câmera tremida, recursos comumente utilizados em projetos com temática semelhante. Além disso, a montagem se vale de poucos cortes, dando-nos a sensação de que cada cena é uma espécie de longo segmento a formar um mosaico que pinta em cores lavadas (manchadas apenas pelo vermelho-sangue) um cenário frio e desolador. Por vezes, o longa se dá ao direito de criar tristes metáforas como a do pombo (símbolo da paz) que se choca com a janela do apartamento do protagonista, deixando uma mancha bem sugestiva, e alguns poucos diálogos mais filosóficos, em que o destaque fica para o ocorrido entre pai e filha logo após a constatação da morte da ave. Contudo, embora as decisões de Vasyanovych exponham uma bem-vinda aversão ao sentimentalismo, é perceptível um exagerado fascínio do diretor pelo “plano complexo”, como se cada um precisasse deixar flagrante sua elaboração, o que soa bem mais um capricho estético do que uma necessidade narrativa.  

Sobrepondo imagens rigorosas, tais como retratos vivos, a outras que nos desafiam a, como o próprio título sugere, pensar sobre a influência deste tipo de confronto na vida de pessoas comuns, “Reflexão” tem seu impacto diluído à medida que o rigor de seu realizador encaixota seus personagens num formalismo que até é eficaz na reprodução da implacabilidade do que é exposto, porém, não consegue deixar intacta uma possível identificação com os dramas ali enquadrados.  




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