Adsense Cabeçalho

'Cassandro': cinebiografia-padrão impede voo acrobático e reluzente de um ícone da luta livre | 2023

NOTA 5.0

O mundo tá fodido. A luta é o bem vencendo o mal.

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme


A lucha libre, uma mistura de esporte olímpico e encenação, é um dos fenômenos de entretenimento mais populares do México. E, claro, como o intercâmbio cultural não respeita as linhas traçadas por fronteiras, muitas cidades estadunidenses, como El Paso, também são tomadas por noites de homens em roupas apertadas naquilo que mais se parece com uma espécie de show acrobático do que propriamente com uma luta. De lá surge Saúl Armendáriz, um homem assumidamente gay que subverteria aquele universo ao criar Cassandro, figura que rompia com suas performances nos ringues as correntes paradigmáticas de um ambiente extremamente machista.

Dirigida por Roger Ross Williams, a cinebiografia do astro do wrestling não foge de alguns clichês comuns a esse subgênero tão em voga. Somos apresentados às influências comportamentais e estéticas de Saúl, acompanhamos o encontro com sua mentora (subaproveitada, diga-se), os percalços enfrentados e sua escalada ao reconhecimento e à fama, esta última etapa, inclusive, com direito àquela já tradicional sequência em montagem ágil com canção pop ao fundo. Tal caminho traçado pelo roteiro, escrito pelo próprio diretor em parceria com David Teague, não deixa de decepcionar pois, de certa forma, aprisiona um personagem tão distinto em seu campo de atuação.

Por outro lado, é na abordagem das lutas pessoais que o projeto ganha pontos em alguns rounds. A relação de Saúl com a mãe e, sobretudo, o imbróglio envolvendo o pai, alguém que vai sendo pintado como o maior adversário da vida do célebre lutador, dão robustez aos momentos dramáticos do filme, que são ressaltados pela ótima atuação de Gael Garcia Bernal. Porém, a competência na criação da expectativa para o aguardado embate é frustrada pela pobreza de densidade com a qual a cena é construída.

Esteticamente, chamam atenção a opção pelo estreitamento da razão de aspecto – que remete tanto aos ringues nos quais Cassandro brilhou quanto ao encaixotamento que sua personalidade libertária enfrentava – e a bela iluminação feita por Matias Penachino. Contudo, não deixa de causar uma certa estranheza a maneira como a mesma trilha sonora é utilizada em instantes variados no que diz respeito ao tom cênico. Seja nas horas de intimidade do protagonista com o amante, por exemplo, ou nas sequências de luta, os acordes melancólicos compostos por Tomás Barreiro e Marcelo Zarvos se fazem insistentemente presentes.

Por fim, pode-se dizer que “Cassandro” deixa a desejar ao colocar em moldura pouco ornamentada um personagem tão rico em possibilidades. Refém de uma paradoxal padronização, o longa, que circulou pelas telas do recém-encerrado Festival do Rio e que se encontra hoje disponível no catálogo do Prime Video, não consegue ser tão espetaculoso quanto seu personagem-título, deixando em nós espectadores a decepcionante sensação de empate técnico. Felizmente, na vida real, o exótico venceu.  






 

Nenhum comentário