'Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você' : a história por trás de um dos maiores álbuns da música brasileira | 2023

NOTA 8.0

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

Documentários que retratam grandes celebridades revelam uma dualidade intrigante. Por um lado, eles têm o poder de evocar memórias e relembrar figuras significativas do passado, oferecendo uma experiência nostálgica para o público. Por outro, essa abordagem pode ser delicada, já que a seleção de um recorte histórico específico pode expor contradições que desafiam até os fãs mais leais. "Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você" nos presenteia com um dos encontros mais notáveis da história da música brasileira, resultando em um álbum de importância inquestionável para a cena musical do país. No entanto, como acontece com frequência em eventos examinados mais de perto, essa parceria extraordinária não está isenta de polêmicas e controvérsias, tornando a apreciação completa dessa união uma tarefa complexa para os admiradores incondicionais. 

O filme não perde tempo ao estabelecer uma linha do tempo concisa, fornecendo ao espectador um contexto informativo essencial para compreender a jornada de cada uma das personalidades até o ponto crucial da produção e gravação do disco. Para atingir esse objetivo, o documentário adota abordagens tradicionais, como entrevistas com pessoas diretamente envolvidas e familiares, combinando-as com preciosas filmagens raras que foram meticulosamente recuperadas e restauradas em qualidade 4k.  

Na tentativa de explorar algumas tensões na relação entre Elis e Tom, bem como entre o maestro e a equipe associada à cantora, o filme assume uma abordagem um tanto vaga, o que é compreensível, uma vez que evita qualquer sensacionalismo.  Contudo, essa escolha criativa deixa algumas lacunas mal resolvidas. Os primeiros trinta minutos se dedicam a mergulhar no passado de ambos os artistas, com menos ênfase no contexto histórico. Embora polêmicas, como a relação de Elis com os militares e o subvalorização de Tom no Brasil, sejam destacadas, o foco nesse início reside principalmente em contextualizar a ascensão e consolidação dessas figuras no cenário artístico mundial, servindo para projetar a magnitude e a importância de cada um naquele momento histórico. Também vale destacar que o documentário faz menção aos outros músicos envolvidos na criação do álbum. Embora esses comentários sejam breves, eles desempenham um papel fundamental ao proporcionar uma visão mais completa e significativa da magnitude de cada músico envolvido, evitando assim relegá-los a meras notas de rodapé na história. 

No trecho final uma atmosfera melancólica se instala, relembrando aqueles dias como uma época quase irrecuperável. Em dado momento, surge uma reflexão sobre como a atividade artística costumava dialogar com o amanhã, em comparação com a abordagem contemporânea, que parece limitar-se apenas ao presente, tratando a arte como um simples produto de consumo. Passados quase meio século desde os eventos narrados, muito do que foi teorizado se mostrou verdadeiro. Entretanto, é importante certa cautela em relação aos dias atuais, pois muitas vezes somos insensíveis a eventos que ocorrem muito próximos de nós. Quem sabe daqui mais 50 anos tenhamos uma perspectiva mais clara. Até lá, é fundamental celebrar nossos heróis do passado que já se foram, para que os novos que aqui estão possam seguir caminhos semelhantes e, assim, perpetuar a riqueza da nossa cultura.