'O Exorcista - O Devoto' : sequência luta para encontrar seu próprio caminho na sombra de um clássico | 2023
NOTA 3
Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica
Vivemos tempos de nostalgia. Nos últimos dez anos, testemunhamos o ressurgimento de grandes sucessos através de novas versões, que incluem sequências, remakes e reboots. Era apenas questão de tempo até o retorno do filme de horror mais influente de todos os tempos, "O Exorcista", que comemora seu 50º aniversário este ano. A Blumhouse, conhecida por sua expertise em produzir filmes de terror de baixo orçamento e que alcançam resultados impressionantes, ousou em 2018 com "Halloween", uma sequência do original de 1979. O plano provou ser acertado, levando a uma trilogia, que, embora irregular em qualidade, obteve grande sucesso comercial. Agora, com David Gordon Green a frente da direção, a produtora aposta todas as fichas em "O Exorcista - O Devoto", que já tem duas sequências garantidas mesmo antes de chegar aos cinemas.
Na trama acompanhamos Angela (Lidya Jewet) e Katherine (Olivia Marcum), duas amigas muito próximas que misteriosamente desaparecem por três dias. Ao serem finalmente encontradas, revelam um comportamento perturbador. Diante do agravamento da situação, elas são encaminhadas para o hospital, onde a enfermeira Ann (Ann Dowd), começa a suspeitar que uma força maligna pode ter se apossado delas. Enquanto a tensão aumenta, os pais das jovens buscam ajuda com Chris MacNeil (Ellen Burstyn), que enfrentou a possessão demoníaca anos atrás. Inicia-se, assim, uma angustiante e aterrorizante batalha do bem contra o mal que ameaça consumir suas almas.
Não é exagero afirmar que muitos filmes que exploram a temática da possessão demoníaca são inevitavelmente influenciados pelo icônico "O Exorcista" de 1973. No entanto, é importante reconhecer que a análise contemporânea não deve se limitar à comparação com um clássico. No caso de "O Exorcista - O Devoto", o filme não se limita a se inspirar no original, mas tem como proposta uma sequência direta dos eventos, trazendo de volta personagens e cenas familiares. Embora essa abordagem pudesse ser interpretada como uma homenagem, a execução falha revela a mediocridade da produção atual quando comparada ao seu predecessor. Um exemplo que ilustra bem essa tragédia está no prólogo, que, assim como no filme original de 1973, se passa em um país distante, no Haiti, e apresenta imagens praticamente idênticas àquelas vistas no prólogo situado no Iraque 50 anos atrás. Nele, há três ocorrências que parecem arbitrariamente copiadas formando exatamente a mesma estrutura narrativa: um quase atropelamento, uma briga entre dois cães, um artefato místico e um evento catártico. Entretanto, ao contrário do original, em vez de contribuir de maneira substancial para o clímax da conclusão, esse novo prólogo apenas reforça estereótipos e estabelece um mistério a ser resolvido.
No filme original, acompanhamos a Regan passando por um procedimento de arteriografia cerebral. A sequência é tão impactante que reza a lenda ser ela a causadora da maioria dos vômitos nos cinemas daquela época. Era esperado que David Gordon Green explorasse paralelos com cenas de hospital em "O Devoto", um ambiente que, apesar de ser clinicamente seguro, carrega consigo uma sensação inquietante de apreensão e tensão. No entanto, em contraste com a agonia que testemunhamos quando uma garota é submetida a uma espécie de tortura, em "O Devoto", o filme recorre a elementos convencionais do gênero, como desaparecimentos seguidos de "jump scares" e frases de efeito supostamente proferidas pelo demônio, algumas das quais sugerem habilidades premonitórias por parte da entidade maligna.
O elenco não é ruim. Cada membro contribui de maneira significativa para o filme, com destaque para as duas atrizes mirins que, apesar de pesadamente maquiadas - um ponto forte do longa -, entregam boas performances com reações convincentes. Além disso, o trabalho de som é competente, com uma menção especial para a reformulação da canção "Tubular Bells". Embora não atinja o mesmo impacto que a versão original, ainda desempenha um papel eficaz na narrativa.
Absolutamente nada na arte é atemporal. O termo "atemporal" serve mais como uma expressão de impacto do que como uma verdade absoluta. Uma vez que toda técnica tem idade, um filme de 1973 se comunica e se utiliza de uma linguagem que reflete sua época. Contudo, o tempo, embora devore implacavelmente tudo em seu caminho, parece ser moderado em seu apetite em alguns casos raros, deixando uma ponte de diálogo entre passado e presente. São esses casos que ganham o título de "clássicos", pois resistem à erosão do tempo. Com mais de 50 anos desde sua criação, é seguro afirmar que "O Exorcista" venceu essa batalha, destacando-se de todas as tentativas de continuação que, assim como a mais recente, estão fadadas ao vazio do esquecimento.
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