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Festival de Cinema Italiano : 'Obrigado, Rapazes': | 2023

NOTA 6.0

Comédia italiana invoca Beckett para libertar prisioneiros de uma vida sem arte 

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme


“Esperamos para tudo.”

Certa vez, ao distinguir a comédia italiana das demais, o cineasta Mario Monicelli salientou o fato de que seus exemplares lidam de forma irônica e bem-humorada assuntos que seriam, em tese, extremamente dramáticos. Ao inaugurar com o clássico “Os Eternos Desconhecidos” a chamada commedia all’italiana no final da década de 1950, ainda reerguendo ruínas deixadas pela Segunda Guerra Mundial, o mestre propunha um olhar sobre figuras pobres em meio à total desilusão, à margem da sociedade, vivendo de golpes, trapaças e assaltos. Não estranha, portanto, o fato de alguém que teve a honra de ser um de seus assistentes, Riccardo Milani, capitanear um projeto que resgata (e também subverte) alguns dos elementos que tornaram o gênero tão popular em seu país.

Em “Obrigado, Rapazes”, destaque do Festival de Cinema Italiano deste ano, Milani utiliza metaforicamente o contexto pós-pandêmico e estreita os horizontes de seus delinquentes ao colocá-los já presos por seus crimes e às voltas com os ensaios de “Esperando Godot”, monumento do teatro moderno escrito por Samuel Beckett. Tendo, em certa medida, o absurdo – palavra tão cara ao famoso dramaturgo irlandês – como um de seus eixos, o longa vai se ancorar na relação entre Antonio, um ator de meia idade desempregado, e um grupo de detentos. Se os encontros “forçados”, a princípio, são encarados com uma previsível resistência de parte a parte, aos poucos, o contato com o texto da obra-prima de Beckett reacende no personagem vivido por Antonio Albanesse um entusiasmo adormecido e cria em seus improváveis pupilos uma inequívoca identificação.

É notório como a direção não faz cerimônia ao amenizar o peso que naturalmente uma trama majoritariamente passada dentro de uma penitenciária carregaria. Embora sempre lembre ao espectador de que aqueles são homens perigosos, sobretudo na forma como trabalha a persona intimidadora de Diego (Vinicio Marchioni), o roteiro é eficaz ao aliviar a tensão porque sabe transitar nos mais diversos tipos de humor: ora oferece momentos de pura vergonha alheia, como na cena em que Antonio precisa fingir um orgasmo ao telefone diante de um guarda; ora investe na verborragia que desencadeia os conflitos a serem resolvidos a cada novo ensaio; e ainda vai pelo caminho do nonsense (“É o absurdo!”, justifica-se) através dos métodos criados para destravar os integrantes de um “elenco” tão sui generis.

Diferente do caráter trágico trazido por filmes como “César Deve Morrer”, que também contava a história de um clássico do teatro encenado no cárcere, a leveza dá o tom em “Obrigado, Rapazes”. Sem deixar de lado a observação de questões sociais relevantes – o aprisionamento de imigrantes, por exemplo -, o longa não escapa dos clichês presentes em projetos que falam sobre professores e alunos que redescobrem juntos o seu valor, mas cativa por mostrar de modo ao mesmo tempo terno e sarcástico o poder humanizante da arte.   






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