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Festival Varilux de Cinema Francês: 'A Viagem de Ernesto e Celestine' | 2023

NOTA 9.0

Animação une encanto de elementos lúdicos com críticas sociais em uma experiência mágica pra todas as idades  

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica


A origem dos personagens Ernesto e Celestine vem de uma série de livros infantis da autora e ilustradora belga Gabrielle Vincent. A dupla ganhou vida nas telonas pela primeira vez em 2012, em um filme que recebeu aclamação tanto do público quanto da crítica, rendendo uma indicação ao Oscar de melhor animação. A trama base explora a amizade incomum entre o urso-pardo Ernesto e a ratinha Celestine, desafiando as convenções de uma sociedade que desaprova união, mesmo que apenas amigável, entre ursos e ratos. O subtexto crítico aos regimes autoritários e a desumanização de certos grupos étnicos e raciais, é evidente, mesmo em um contexto infantil. Em "A Viagem de Ernesto e Celestine", terceiro filme da franquia, eles enfrentam mais uma vez o desafio de derrubar um regime opressor que assola a cidade natal de Ernesto. A narrativa continua a mesclar elementos lúdicos com críticas sociais, proporcionando uma experiência mágica e reflexiva para públicos de todas as idades.  

Após Celestine acidentalmente quebrar o valioso violino de Ernesto, a ratinha sente-se consumida pela culpa e decide empreender uma jornada até a cidade natal de seu amigo para encontrar o habilidoso criador do instrumento, o único capaz de restaurá-lo. Preocupado com a segurança da amiga e ciente dos perigos que ela pode enfrentar no caminho, Ernesto decide segui-la. Ao encontrá-la, percebe que não há maneira de persuadi-la a retornar. Após muita hesitação, decide acompanhá-la. No entanto, ao chegar, ele se depara com uma surpresa desagradável: a cidade está sob o domínio de tropas de coerção, cujo objetivo é reprimir qualquer expressão artística, especialmente a música.  

A trama é rica em simbolismos, todos acessíveis devido à simplicidade com que a narrativa é conduzida. Por exemplo, ao chegar à cidade, Ernesto depara-se com a repressão policial, ilustrada por ações absurdas dos oficiais nas ruas, como o ato de jogar água nos passarinhos que "ousam" cantar. Outro aspecto peculiar é que, embora a lei não proíba instrumentos musicais, apenas a nota Dó é permitida. As metáforas são diversas e carregam um tom jocoso, quase debochado. Mesmo nos momentos mais tensos, o filme mantém um senso de humor envolvente. Com traços suaves e aquarelas, o desenho minimalista cria uma atmosfera convidativa, complementada pela trilha sonora, que não só é agradável, mas também representa o coração da obra.  

A graphic novel "Maus", escrita pelo autor e ilustrador norte-americano Art Spiegelman, é um relato comovente das experiências de seu pai como judeu polonês e sobrevivente do Holocausto. Ao retratar os judeus como ratos, nazistas como gatos, americanos como cachorros e poloneses como porcos em uma narrativa antropomórfica, a obra, agraciada com o Prêmio Pulitzer, explora de maneira profunda e irônica a estética que gerou a desumanização perpetrada pelo regime nazista. Paralelamente, a representação de Celestine como uma ratinha não é coincidência, alinhando-se ao discurso de Spiegelman, porém com nuances distintas. Essa estética ressoa ainda nos dias atuais, como evidenciado recentemente pelo uso de imagens semelhantes pela extrema direita, retratando em memes o povo palestino como ratos raivosos perseguidos por águias imponentes. Diante disso, destaca-se a atemporalidade dessas obras, nos lembrando sempre que “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.  






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