'De Volta a Córsega' : drama francês narra uma história familiar de "recomeços" | 2023
NOTA 8.0
Por Maurício Stertz @outrocinéfilo
Chegadas. Partidas. Em qualquer movimento de mudança na vida de alguém, existem claras rupturas geográficas, emocionais e físicas. E então o que era entendido como um sentimento de “pertencer”, passa a não fazer mais sentido algum. O destino nunca nos pertenceu e é arriscado simplesmente dispor nossas raízes por aí – acabei pensando. Esta reflexão é trazida nas entrelinhas pelo drama francês 'De Volta à Corsega', em que as movimentações de uma família é retratada com a atenção de extrair pela pele a melancolia de um recomeço. A Ilha de Córsega, que dá nome ao filme, é pequena em extensão, mas é o suficiente para servir a essa amalgama entre o "pertencer" e o "se encontrar", como sinônimos definidos ou mesmo elementos distintos na mão de um alquimista habilidoso, que as transforma numa configuração única em sentido para o que Khédidja e suas filhas estão passando.
A trama acompanha Khédidja, uma mãe solo que volta à Ilha após 15 anos para trabalhar como babá. Com suas duas filhas adolescentes, Jéssica e Farrah, que representam suas formas únicas de amadurecimento, a distinguir pela pouca diferença de idade entre elas, a família chega preparada ao recomeço, quando podem se entregar totalmente a um tempo novo. Enquanto Farrah é a personificação da rebeldia e da raiva constante, Jéssica deslumbra o mundo em cores, com seu sonho de futuro através dos estudos e pôde finalmente se desprender de suas responsabilidades e se encontrar em si, descobrir sua sexualidade e experimentar um romance inédito. As duas, principalmente, vivem o que podem viver, otimistas a pertencer (novamente) àquele lugar. Não há, porém, eventualidades mais marcantes do que esse amadurecimento, mesmo que estejam reféns da busca ininterrupta pelo preenchimento de um vazio silencioso, que aparece a cada uma delas e que as pontas soltas do passado voltam para assombrá-las e dificultar o que parecia um ar fresco para o futuro.
A clara intenção da direção de Catherine Corsini é retratar a realidade sem tentar suavizar em tela assuntos já banais. Por exemplo, como mulheres pretas e agora ‘estrangeiras’ àquela terra, algumas consequências deste choque de civilizações das quais sociólogos falavam, perpassam à tela, como a experiência com a xenofobia, seguida do colonialismo, que é claramente verbalizada (e sentida). Toda essa massa alquímica é envolta por uma fotografia mais crua e que apresenta ruídos aparentes ao criar um ar quase documental a história. Ao tornar ‘vida real’, os momentos mais alegres podem ser diminuídos, como Catherine quer, nos momentos raros de felicidade em que Farrah sorri ou dança livremente com uma música animada, enquanto os momentos mais duros são cadenciados ao máximo para que o espectador possa senti-los com mais seriedade.
Ao narrar estes momentos, a história dessa família é um emaranhado sem ponto final definido que, em essência, permite ainda mais em tela. Seja quando decide retratar os dramas sociais mais sérios ou por deixar claro que apesar das dificuldades, “pertencer” e “se encontrar” podem ser sinônimos.
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