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'A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets' : animação esboça reflexo geracional que anseia por imediatismo | 2023

NOTA 8.0

Esse aí não

Por Vinícius Martins @cinemarcante 


Depois de quase duas décadas e meia, eis que uma sequência à tão adorada animação stop motion ‘A Fuga das Galinhas’ (2000), fruto da associação entre DreamWorks & Aardman, é finalmente lançada. Chegando direto à Netflix quase aos acréscimos de 2023, a produção mostra que ainda existe fôlego para a jornada das galinhas com dentes que tanto nos fizeram gargalhar na virada do milênio para promover debates sociais pertinentes para a atualidade. Pode-se dizer que ‘A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets’ é, acima de qualquer outra coisa, um filme sobre pais e filhos. Levanta-se nele um comentário curioso sobre o modo como ambas gerações enxergam uma a outra e o quão afetada e limitada fica a comunicação quando informações são omitidas sob o pretexto de poupar a prole de uma perpetuação das dores do passado. Desse modo, a dinâmica do filme se estabelece equilibrando os contrapontos de uma geração que quer dar o melhor para seus filhos sem expô-los aos riscos e problemas que tiveram que enfrentar, em contraste com a inquietude de uma geração que quer se provar e desbravar novos horizontes. E é nessa premissa que o filme mais acerta.

O sábio aprende com os erros dos outros, como já dizia o provérbio popular. Há quem troque o termo “erros” por “dor”, e essa variação torna o ditado ainda mais apropriado para o caso da ansiedade latente experimentada pela juventude atual, que insiste em desdenhar das duras lições aprendidas na pele pelos seus progenitores e preferem arriscar fazer o que acham mais “divertido” sem se preocupar tanto com riscos e consequências. Parece um tema pesado para um filme infantil, correto? E é. Contudo, o ótimo trabalho do diretor Sam Fell sobre o roteiro de Karey Kirkpatrick e Rachel Tunnard traz uma abordagem tão caricata e cheia de camadas que o filme consegue contornar o drama de um enredo assim e termina por transformar algo tão denso em uma obra leve e divertida, que ainda assim surge carregada de simbologia e mensagens que, implicitamente, promovem uma reflexão sobre um conflito geracional contemporâneo.

“Um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la.”, disse certa vez o filósofo irlandês Edmund Burke. A abordagem do filme à forma como os jovens caem nas armadilhas midiáticas é muito clara, evidenciando o desconhecimento à história das batalhas enfrentadas por seus pais e destacando o quão desprovidos de grandes malícias eles são. O imediatismo também é abordado com tom crítico, tanto na personagem Molly (filha de Ginger e Rocky) que almeja desbravar o mundo e não entende que ainda não está pronta, quanto na linha alimentícia habitualmente empregada no ramo de fast-foods, feita para pessoas que não querem esperar muito. Mas o mais legal nas lições do filme é que o mesmo imputa responsabilidade a quem sabe dos riscos em duas maneiras: de princípio tentando proteger seu núcleo menor, e posteriormente tomando uma consciência coletiva onde a classe é uma unidade a ser protegida. É como se esse novo filme deixasse um aviso para que os jovens escutem o que os mais velhos tem a dizer (e que os mais velhos digam!) e um incentivo para pesquisarem o passado, a fim de que, assim como o raciocínio de Burke, não caiam na armadilha de um retrocesso.

O novo filme, embora não possua a mesma potência criativa que seu predecessor, ainda consegue esbanjar genialidade e segue uma cadência natural para a jornada de seus personagens. É um longa objetivo e dinâmico, que usa uma metalinguagem muito eficiente para dizer, nas entrelinhas, aquilo que seu público alvo tanto precisa ouvir. O público original do filme de 2000 cresceu nesses vinte e três anos e hoje, em sua maioria, experimenta maternidade e paternidade de uma forma paralela ao que é vivido por Ginger e Rocky. Crescemos juntos com a animação, e a animação cresceu junto com a gente. É a vida imitando a arte e a arte imitando a vida, mesmo que através de ilustrações tão absurdas quanto galinhas que se rebelam contra as imposições do sistema para manter os seus queridos sob proteção. Fica a expectativa para que o terceiro não demore mais duas décadas para ser lançado.





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