'Pare Com Suas Mentiras': um blend rascante de drama e romance juvenil que narra as consequências de um amor sufocado por tradições | 2023
NOTA 8.0
Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme
Em meio ao turbilhão do balanço cinematográfico de 2023, repleto das já tradicionais (e polêmicas) listas com melhores e piores do ano, não é raro o surgimento de alguns títulos pouco ou nada badalados que chegam de mansinho e nos surpreendem. Este é o caso de “Pare Com Suas Mentiras”, longa dirigido por Olivier Peyon (“Agitação de Tóquio”) que aborda com muita sensibilidade as consequências do sufocamento de sentimentos por conta do respeito às tradições interioranas.
Baseado no livro homônimo de Philippe Besson, o longa conta a história de Stéphane Belcourt (Guillaume de Tonquédec), um renomado escritor que volta à sua terra natal como embaixador de uma famosa destilaria. Na tradicional cidade de Cognac, as lembranças de um romance vivido às escondidas com um colega de escola em 1984 virão à tona, assim como segredos envolvendo os desdobramentos de sua partida. Se, a princípio, o retorno a um lugar que impediu a plena realização de seu primeiro amor causa um certo desconforto em Stéphane, aos poucos, ele vai se deixando levar pelas memórias que emergem, sobretudo quando entra cena o jovem Lucas, um funcionário da destilaria interpretado por Victor Belmondo, neto do ícone do cinema francês Jean-Paul Belmondo.
Através de uma montagem que alterna os preparativos para a cerimônia de celebração do bicentenário da empresa e flashbacks que remontam os encontros entre Stéphane e Julien, vividos respectivamente na juventude por Jeremy Gillet e Thomas Andrieu, “Pare Com Suas Mentiras” transborda sutileza. Trabalhando de maneira delicada mágoas que vão se elucidando à medida que as informações preenchem lacunas deixadas por não-ditos, o roteiro escrito pelo próprio cineasta, em parceria com Vincent Poymiro, tece (ou preserva da obra original) diálogos que são muito eficientes na forma como permitem, na hora certa, o acesso do espectador a cada novo aspecto da relação entre os personagens. Além disso, como não poderia faltar numa produção francesa que traz um escritor como protagonista, temos aqui também uma azeitada discussão sobre a ficção que criamos sobre nós mesmos para que possamos sobreviver em determinados espaços: “Não é mentir. É inventar histórias.”, argumenta Stéphane ao narrar uma bronca da mãe.
Valorizado pela direção segura de Peyon e pelas atuações de Tonquédec e Belmondo – é bom demais perceber que a herança cênica do avô não se restringiu à incrível semelhança física – esse drama sobre um acerto de contas com o passado salpicado com doses de romance juvenil emociona e faz refletir sobre o quão nocivas podem ser as ditas tradições, especialmente em lugares cuja economia se pauta por elas. Assim como o sorriso aprisionado de aceitação de Julien, presente no registro fotográfico que resgata sua verdadeira essência, “Pare Com Suas Mentiras” revelou-se para o público brasileiro nos últimos instantes de 2023 e poderia facilmente figurar em qualquer lista dos títulos (embora de sabor rascante, por vezes) mais inebriantes do ano.
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