Dica do Papo! Matéria Especial: 'Matador' e o Cinema Sujo de Almodóvar
Por Rogério Machado
Aos fãs do diretor Espanhol Pedro Almodóvar : calma!
Quanto ao título desta matéria, explico: 'Sujo' nem sempre denota algo pejorativo. No caso de 'Matador' , filme de 1986 roteirizado e dirigido por ele, a palavra dentro do contexto, soa muito mais como um elogio do que qualquer adjetivo que tente lançar por terra essa ótima obra do controverso diretor... e por falar em controverso, aqui não podia ser diferente: ao misturar amor x desejo x morte, mais um vez Almodóvar dividiu a crítica na ocasião - existem aqueles que afirmam ser um dos piores longas dele e outros que o incluem no top 5 melhores filmes do mestre.
Na trama, Nacho Martínez vive Diego Montez, um famoso toureiro precocemente aposentado, que agora dá aulas de Tauromaquia, a arte de tourear. Um de seus alunos é o ingênuo e perturbado Ángel (Antonio Banderas), que tem por hábito observar a vizinha, Eva Soler (Eva Cobo), nua. Cansado de apenas admirar, Ángel decide usar o que aprendeu nas aulas para atacá-la. Em meio a uma onda de crime sexuais em Madri, ele se entrega pelo ato e é condenado pela mãe, membro da Opus Dei, e conta apenas com a misteriosa advogada María Cardenal (Assumpta Serna) para provar sua inocência perante a justiça.
'Matador' ainda era apenas o terceiro filme de Antonio Banderas e sua incursão na história foi tímida, nada de especial. Deixando espaço para Nacho Martinez e Assumpta Serna brilharem na pele dessas pesonas misteriosamente sensuais e com taras muito tipicamente usadas nas tramas de Almodóvar: o sujo, absurdo e cruel presentes nas entranhas desses personagens já introduziam o 'cinema de uma via só' que o diretor viria a fazer: sem concessões, sem ressalvas, sem pedir perdão por tamanha leviandade.
As linhas iniciais de Matador falam por si mesmas, mostrando o que o filme tem de desconcertante e de semelhante com o resto da obra de Almodóvar: Diego começa o filme se masturbando diante de uma tevê que exibe imagens mórbidas de mulheres sendo violentadas, decapitadas, mortas; Angel é o rapaz puro e ingênuo, que destoa com relação à hostilidade e à perversão reinantes no universo em que é apresentado, e que mesmo quando tenta uma atitude – impulsionada por um ímpeto 'voyeurista' – que a princípio parece diametralmente oposta ao que se poderia presumir como sendo sua boa índole, reflui de forma inocente ; a mãe de Angel, frequentadora assídua da igreja, está submersa num maniqueísmo que tudo silencia – incluindo aí o bom senso – em nome de uma meia-dúzia de idéias fixas; o voyeurismo e a solidão surgem como traços característicos da grande cidade, corroborados pela televisão – do que uma ideia mais direcionada (fazendo um comparativo) estará em Kika, de 1994. Em suma, a tal "marca registrada" não tarda nem falha.
O primeiro encontro (no filme) entre Diego e a advogada que defenderá Angel, a qual logo no início aparece matando com um prendedor de cabelo pontiagudo o parceiro sexual que atingia o orgasmo (impossível não pensar em 'Instinto Selvagem'- 1992). Os aspectos intertextuais (as menções ao suspense na linha Hitchcock, a violência gráfica à la Mario Bava durante a seqüência dos créditos iniciais) enriquecem o filme de maneira substancial e sutil, nunca utilizando as referências estéticas como escudos, mas sim como fruto do prazer envolvido numa composição que bebe em boas fontes.
Ainda que buscando inspiração no suspense, gênero consagrado (e muito em alta nos anos 80, independentemente da qualidade ou do refinamento estético, como a profusão de 'body count movies' comprova), o melhor de 'Matador' é mesmo o fator almodovariano, com destaque para a seqüência final, na qual a intervenção surrealista de um eclipse solar impede que Angel chegue a tempo de salvar Diego. Interessou a Almodóvar menos estruturar um thriller do que se aproximar das pessoas que estão entre paixão e morte para se inteirar dos seus sentimentos, privações, motivações – sem apelar para o psicologismo barato ou se prolongar em teorias que expliquem os assassinatos.
Aos fãs do diretor Espanhol Pedro Almodóvar : calma!
Quanto ao título desta matéria, explico: 'Sujo' nem sempre denota algo pejorativo. No caso de 'Matador' , filme de 1986 roteirizado e dirigido por ele, a palavra dentro do contexto, soa muito mais como um elogio do que qualquer adjetivo que tente lançar por terra essa ótima obra do controverso diretor... e por falar em controverso, aqui não podia ser diferente: ao misturar amor x desejo x morte, mais um vez Almodóvar dividiu a crítica na ocasião - existem aqueles que afirmam ser um dos piores longas dele e outros que o incluem no top 5 melhores filmes do mestre.
Na trama, Nacho Martínez vive Diego Montez, um famoso toureiro precocemente aposentado, que agora dá aulas de Tauromaquia, a arte de tourear. Um de seus alunos é o ingênuo e perturbado Ángel (Antonio Banderas), que tem por hábito observar a vizinha, Eva Soler (Eva Cobo), nua. Cansado de apenas admirar, Ángel decide usar o que aprendeu nas aulas para atacá-la. Em meio a uma onda de crime sexuais em Madri, ele se entrega pelo ato e é condenado pela mãe, membro da Opus Dei, e conta apenas com a misteriosa advogada María Cardenal (Assumpta Serna) para provar sua inocência perante a justiça.
'Matador' ainda era apenas o terceiro filme de Antonio Banderas e sua incursão na história foi tímida, nada de especial. Deixando espaço para Nacho Martinez e Assumpta Serna brilharem na pele dessas pesonas misteriosamente sensuais e com taras muito tipicamente usadas nas tramas de Almodóvar: o sujo, absurdo e cruel presentes nas entranhas desses personagens já introduziam o 'cinema de uma via só' que o diretor viria a fazer: sem concessões, sem ressalvas, sem pedir perdão por tamanha leviandade.
As linhas iniciais de Matador falam por si mesmas, mostrando o que o filme tem de desconcertante e de semelhante com o resto da obra de Almodóvar: Diego começa o filme se masturbando diante de uma tevê que exibe imagens mórbidas de mulheres sendo violentadas, decapitadas, mortas; Angel é o rapaz puro e ingênuo, que destoa com relação à hostilidade e à perversão reinantes no universo em que é apresentado, e que mesmo quando tenta uma atitude – impulsionada por um ímpeto 'voyeurista' – que a princípio parece diametralmente oposta ao que se poderia presumir como sendo sua boa índole, reflui de forma inocente ; a mãe de Angel, frequentadora assídua da igreja, está submersa num maniqueísmo que tudo silencia – incluindo aí o bom senso – em nome de uma meia-dúzia de idéias fixas; o voyeurismo e a solidão surgem como traços característicos da grande cidade, corroborados pela televisão – do que uma ideia mais direcionada (fazendo um comparativo) estará em Kika, de 1994. Em suma, a tal "marca registrada" não tarda nem falha.
O primeiro encontro (no filme) entre Diego e a advogada que defenderá Angel, a qual logo no início aparece matando com um prendedor de cabelo pontiagudo o parceiro sexual que atingia o orgasmo (impossível não pensar em 'Instinto Selvagem'- 1992). Os aspectos intertextuais (as menções ao suspense na linha Hitchcock, a violência gráfica à la Mario Bava durante a seqüência dos créditos iniciais) enriquecem o filme de maneira substancial e sutil, nunca utilizando as referências estéticas como escudos, mas sim como fruto do prazer envolvido numa composição que bebe em boas fontes.
Raro: Almodávar em uma breve aparição no longa |
Há quem ame ou quem odeie, mas não há como negar que Almodóvar incomode, e se incomoda dá o que falar e se dá o que falar esquenta o debate. Se é sujo, irreal, inescrupuloso e doente, não importa, enfim, é arte, e arte não precisa de entendimento ou aprovação, ela simplesmente acontece - move cada um de forma diferente, negativa ou positivamente, e esse é o grande barato desse existir.
'Papo de Cinemateca - Muito Cinema pra Todo Mundo'
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