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PiTacO do PapO - 'O Ornitólogo' | 2017

NOTA 7.9 

Por Rogério Machado


O cinema português é um acontecimento. Não somente pela alta qualidade de suas produções, mas também pela frequência com que produz novos trabalhos.  Num encontro com Ricardo Pereira,  ator português muito conhecido por aqui, na ocasião do lançamento do trabalho também português 'Cartas da Guerra' (2017), ele me disse que o país produz cerca de dez a quinze filmes por ano somente.  Talvez por isso o cinema lusitano quase sempre acerte na mensagem, já que dizem que o tempo é amigo da perfeição. 

'O Ornitólogo', que foi destaque no Festival do Rio em 2016 e chegou em circuito comercial em março do ano passado, é um dos bons exemplos vindos de Portugal, mas é preciso deixar claro, pra quem deseja se aventurar na sessão,  que o filme tem um ritmo bem compassado e pode ser interpretado equivocadamente sem uma prévia leitura sobre do que o filme, debaixo de suas analogias,  realmente se trata. 



Na história conheceremos Fernando (Paul Hamy), um ornitólogo solitário que decide pegar o seu caiaque e descer um rio em busca das raras cegonhas pretas, conhecidas por apenas se encontrarem em regiões inóspitas, longe dos olhares humanos. Depois de algum tempo em viagem, distraído com a beleza da paisagem, ele é surpreendido pela força da correnteza e quase morre afogado. Na luta pela sobrevivência, ele terá que se confrontar com alguns dos seus demônios mais íntimos e medos mais primitivos. Ao encarar-se desta maneira, vai sair de lá um homem irremediavelmente transformado…

'O Ornitólogo' é na verdade uma espécie de versão profana da vida de Santo Antônio: incluindo até cenas de sexo gay, o longa rejeitado por parte do público, narra a jornada de transformação de um homem em um contexto carregado de significados sociais, históricos e políticos. Mas não somente isso, existe também um tom, uma carga religiosa e uma força desmistificadora de um personagem de apelo universal que é especialmente importante em Portugal: Santo Antônio de Pádua.

Nascido em Lisboa, Santo Antônio chamava-se originalmente Fernando – como o ornitólogo do título, sujeito que acaba perdido após sofrer um acidente ao observar pássaros ao norte de Portugal. Paul Hamy interpreta essa figura solitária, que em sua jornada  cruzará com garotas chinesas que se perderam ao percorrer o caminho de Santiago de Compostela, um jovem pastor surdo-mudo e gay, amazonas nuas que parecem saídas de um sonho, assim como os integrantes de uma tribo aparentemente hostil decidida a praticar rituais de violência na mata.  Entretanto, é no que tem a dizer sobre a vida profana do personagem que virara santo que o longa realmente cresce: o desejo e o sexo, a morte e a culpa (ou a ausência dela), os rituais de (des)purificação – toda a aventura da vida de Fernando se apresenta, na verdade, como uma provação da qual parece impossível sair ileso. O homem comum se purificará – mas de um jeito totalmente diferente, diria oposto, àquele pregado pela tradição cristã.

Tecnicamente impecável, 'O Ornitólogo' é feito para os cinéfilos mais atentos e capazes de entender a trajetória do personagem proposta pelo diretor João Pedro Rodrigues, por mais polêmica que seja. Já que ele mesmo uma vez declarou: a  ditadura fez da religião um de seus pilares, construindo uma imagem de Santo Antônio que não corresponde à realidade.


Vale Ver ! 


DIREÇÃO
João Pedro Rodrigues

EQUIPE TÉCNICA
Roteiro: João Pedro Rodrigues
Produção: Diogo Varela Silva, Gustavo Angel Olaya, João Figueiras
Fotografia: Rui Poças
Trilha Sonora: Séverine Ballon
Estúdio: Black Maria Filmes, House on Fire, Itaca Filmes
Montador: Raphaël Lefèvre
Distribuidora: Vitrine Filmes

ELENCO

Chan Suan, Han We, João Pedro Rodrigues, Juliane Elting, Paul Hamy, Xelo Cagiao

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