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PiTacO do PapO - 'Alfa' | 2018

NOTA 6.2

Nada se cria…

Por Vinícius Martins @cinemarcante


O velho ditado de caráter questionador quanto a originalidade é um pesadelo quando se trata de cinema. Há sempre o fator da comparação, e nenhum gênero está imune a isso. Se de um lado há aqueles que sofrem na mão da crítica, do outro há alguns filmes que, propositalmente, fazem referências diretas a outros filmes e ainda tiram sarro disso (ou prestam tributo aos clássicos em uma reverência quase sempre tendenciosa, que é o caso de 'La La Land - Cantando Estações’). No caso de 'Alfa', falta a originalidade cabível para que a produção tenha identidade própria e sobra a boa intenção de apresentar a origem reimaginada do relacionamento entre homem e cão.

A produção não segue a tradicional cartilha de roteiro notada por Sid Field (aquela com os três atos, os pontos de virada e a conclusão da jornada para o satisfatório ou o insatisfatório). Não há uma preparação para o clímax, o momento das lágrimas, onde tudo se resolve e a história chega ao seu evidente fim, como o emocionante 'O Impossível’, de 2012. Ocorre que, curiosamente, este filme tem uns três ou quatro finais diferentes, dados os numerosos fade-out que ele introduz em seus últimos minutos; parece que acabou, vem mais uma cena de dois minutos, e parece que acabou de novo, e vem mais uma cena - mas isso não quer dizer que o filme seja ruim.

Uma artimanha interessante do roteiro foi fazer com que este filme parecesse dois. O primeiro filme é sobre um homem dividido em suas obrigações entre ser lider da tribo e ser pai enquanto prepara seu sucessor, e o segundo é a luta do menino para se tornar homem e sobreviver sozinho. Para que você entenda o contexto, um jovem caçador foi deixado para trás após ser dado como morto devido a um acidente. Esse jovem menino sobrevive e, após ser atacado por uma alcatéia e ferir um dos lobos, se vê na obrigação de cuidar de si e do animal para garantir a sobrevivência de ambos. Como um dos temas centrais do filme é a preparação para a “passagem da tocha” em uma futura troca da liderança, uma sutil troca de protagonismo no meio do filme é cabível e coerente em sua ideia central, e é feita de forma quase imperceptível. No primeiro filme vemos o flagelo de um pai, no segundo vemos o nascimento da amizade entre homem e cachorro (lobo, nesse caso, como um ancestral). O problema, porém, é que apesar de bonito o filme não tem voz própria.


Em resumo, pegue uma dúzia de filmes parecidos e jogue-os em um liquidificador. Deixe bater bem, e então terá um resultado como o visto na tela nesse novo aspirante a épico. Já que Alpha é um mix de outras produções, acredito que seja mais fácil expressar o que tenho a dizer traçando paralelos comparativos. Vamos ver no que dá.

O filme se parece em muito com 'O Regresso’, de 2016, no que diz respeito a fotografia e a escolha das paletas de cores. Não é exagero dizer que cada frame rende pelo menos um bom descanso de tela para o computador. As imagens são belas e podem ser facilmente confundidas com pinturas renascentistas. A solidão também é um paralelo notável.

A dinâmica entre o garoto e o animal em muito se parece também com 'As Aventuras de Pi’, lançado no Brasil no começo de 2013, e 'O Bom Dinossauro’, que chegou por aqui no começo de 2016 (o garoto nesse filme é, na verdade, o dinossauro; quem é o animal é a criança humana, Spot). As cenas de diálogo entre o garoto e o animal (onde um fala e outro só escuta e responde com gestos, expressões e ações) tem a mesma pegada nesses três filmes. O garoto sempre quer - e precisa - se impor sobre a fera para sobreviver em sua jornada de retorno para casa. O animal, por sua vez, acaba cedendo e se afeiçoando ao garoto até que convivam bem.

O ambiente tribal, com criaturas pré-historicas e cenas de ataques coordenados de caça, desperta logo a memória de ‘10.000 A.C.’, lançado em 2008. Se o filme tivesse um pouco mais de coragem e fosse feito em uma língua antiga, como o excelente 'Apocalipto’ do diretor Mel Gibson’, a imersão teria sido maior e, consequentemente, melhor. Há diálogos demais para explicar coisas que já são nítidas, e isso termina sendo um tropeço para o próprio filme no “primeiro filme” que há nele.

E por fim, se colocarmos 'Os Croods’ ao lado desse novo filme de Albert Hughes (que você deve conhecer por 'O Livro de Eli’), vemos que o cinema de milênios atrás tem muito a aprender com as animações. O filme se parece com o desenho de 2013, mas a diferença gritante entre eles é que um beira o irretocável e o outro ainda precisa fazer muito para se provar, como o seu protagonista juvenil.

O filme é bonitinho, fofo, tem uma ideia legal e é até engraçado quando tenta emular as origens do jogar de graveto, mas é só isso. Não basta ter uma boa ideia, tem que ter uma boa concepção para cativar. Se excesso de carisma animal não bastava para compensar tropeços de roteiro milênios atrás, quem dirá hoje em dia. 


Vale Ver, Mas nem Tanto !



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