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PiTacO do PapO - 'Millennium: A Garota na Teia de Aranha' | 2018

NOTA 9.0

Fantasmas e buracos negros na composição do passado sombrio da família Salander

Por Vinícius Martins @cinemarcante


A trilogia literária majestosa de Stieg Larsson ganhou adaptações que estrearam nos cinemas entre 2008 e 2009, mas o autor não chegou a assistir aos filmes que traziam as histórias que criou. Na verdade, ele nem sequer chegou a ver o sucesso estrondoso que seus personagens fizeram ao redor do mundo, pois morreu de ataque cardíaco antes mesmo de ver suas obras publicadas. Apesar de ter deixado com a companheira alguns rascunhos para futuras sequências além dos três volumes escritos ('Os Homens que não Amavam as Mulheres’, 'A Menina que Brincava com o Fogo’ e 'A Rainha do Castelo de Ar’), esses rascunhos foram deixados de lado e, em 2015, um novo nome surgiu para dar sequência ao caminho trilhado por Mikael Blomkvist e Lisbeth Salander. De lá para cá foram lançados mais dois volumes escritos por David Lagercrantz, titulados de 'A Garota na Teia de Aranha’ e 'O Homem que Perseguia a Sua Sombra’. É desse primeiro título que vem o novo filme da série Millennium, dessa vez protagonizado por Claire Foy sob a direção do uruguaio Fede Álvarez.



Hollywood, ao notar o potencial da obra sueca, logo tratou de fazer sua versão. Chegou então, em 2012, o remake de ‘Os Homens que não Amavam as Mulheres’ dirigido por David Fincher; mas ao invés de seguir a cronologia, o estúdio escolheu pular os livros 2 e 3 e trazer às telonas o primeiro livro de Lagercrantz, com outro elenco e um diretor mais barato. Porém, soa quase covarde querer comparar o estilo e a qualidade da direção de Fincher com o trabalho de Álvarez. Só que, invariavelmente, a produção de Álvarez é demasiado decente e tem uma qualidade arrebatadora. A condução das cenas e a forma como a fotografia trabalha para apresentar informações e representar as (re)ações e vertigens de Lisbeth ajudam a criar uma identidade própria para o filme, que o faz diferente dos outros quatro diretores que trabalharam nos quatro filmes anteriores.

Muito do sucesso do filme se deve também ao quanto a protagonista se doa ao papel. Claire Foy conseguiu entregar uma Lisbeth Salander melhor do que as duas versões anteriores, cujas performances foram feitas por Noomi Rapace na trilogia sueca e por Rooney Mara no remake de Fincher. A Lisbeth de Foy é exatamente a Lisbeth que se lê nos livros, sem tirar nem pôr. Questões pessoais de sua vida aqui são tratadas com sutileza e até uma certa delicadeza, sem explicitar o lesbianismo para não vulgarizá-lo e deixando, dessa forma, a intimidade da hacker dentro da esfera a que pertence, implicitamente. Em outras palavras, Foy não precisou pagar peitinho ou beijar outra atriz para mostrar ao público sua preferência por mulheres. Mérito para o roteiro, que deu o recado sem apelar para os recursos mais fáceis.

A composição da trilha sonora é, acima de qualquer outro elemento técnico, um acerto absoluto. Roque Banos trabalha as cordas com uma precisão cirúrgica, dando toda a emoção e a angústia dos dilemas vividos pela protagonista e contrastando isso com a tristeza interna que a domina ao lidar com toda a podridão que combate. Isso ajuda o público a se situar no objetivo da “mocinha”, que é o que lhe dá propósito para a vida. E o roteiro, bastante fiel ao livro e capturando com maestria a personalidade de cada personagem (salvo Mikael Blomkvist, cujo ator é jovem demais se comparado com sua descrição), conduz o suspense que cerca Lisbeth enquanto vê a face do passado ressurgir das cinzas para sugá-la para o confinamento da culpa. Os traumas já vistos em 'A Menina que Brincava com o Fogo’, que é o melhor livro da série, ganham aqui mais corpo e embalam uma vertente de acréscimos que fazem a protagonista fraquejar, evidenciando a parte humana que ela insiste em esconder ao tratar criminosos como merecem. Isso não significa, em hora nenhuma, que o filme dependa dos outros para ser entendido. A história aqui, apesar de costurada com as demais, é totalmente independente de uma noção preliminar por parte do espectador. Portanto, pode ser assistido sem problemas pelos cinéfilos casuais.

Assim como não dá para fugir das aranhas, que se encontram em todos os lugares, também não dá para fugir do passado, mesmo diante da conflitante decisão de se atirar de costas rumo a um precipício. Apesar de adequado, o nome de 'A Garota na Teia de Aranha’ (que é uma tradução do título oficial autorizado do livro em inglês) ficaria ainda melhor se fosse uma tradução literal do seu original, “Det som inte dödar oss”, que significa “O que não nos mata”, em referência ao ditado universalmente conhecido. E se há algo que os protagonistas adquirem nessa jornada de redescoberta, é fortalecimento.


Super Vale Ver !



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