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PiTacO do PapO - 'O Beijo no Asfalto' | 2018

NOTA 10

Por Rogério Machado


Não é pra qualquer um. Adaptar uma obra de Nelson Rodrigues, nas palavras do ator e diretor estreante Murilo Benício, é uma honra e também dá frio na barriga. 'O Beijo no Asfalto', peça do polêmico dramaturgo  levada aos palcos na década de 1960 (com Fernanda Montenegro no elenco), e ao cinema em 1964 e depois em 1981 por Bruno Barreto, é uma adaptação fiel ao texto original e tem a responsabilidade de respeitar o legado não só desse trabalho em específico, como de sua obra como um todo. De certo, se o futuro não for de censura,  ainda veremos muitas adaptações de Nelson Rodrigues. O que suas obras contam, ainda têm total pertinência para os dias de hoje, sobretudo no Brasil.


Na história conheceremos  Arandir (Lázaro Ramos) , um bancário recém-casado com Selminha (Débora Falabella), que ao presenciar um atropelamento, tenta socorrer a vítima, mas o homem, quase morto, só tem tempo de realizar um último pedido: um beijo. Arandir beija o homem, mas seu ato é flagrado por seu sogro Aprígio (Stênio Garcia) e fotografado por Amado Ribeiro (Otávio Muller), um repórter policial sensacionalista que só quer vender jornais, e para isso, passa a contar com a ajuda do delegado Cunha (Augusto Madeira), que com isso pretende ganhar notoriedade na profissão. 

Murilo, em português claro, escolheu o caminho mais ousado para seu trabalho de estreia:  adaptar o roteiro da peça original encenada por Fernandona em um texto encomendado por ela própria ao gênio. A narrativa inédita em se tratando de cinema no Brasil, usa da metalinguagem (cinema+teatro+bastidor) para contar essa história que mesmo depois de 60 anos continua atual como nunca. Fake news, preconceito, repressão, autoritarismo e abuso de poder fazem parte das linhas de 'O Beijo no Asfalto', que vem bem a calhar nesse momento de retrocesso e caretice. Não se trata portanto de um filme de protesto ou levanta descaradamente uma posição à respeito, narra a intimidade de um casal que tem a vida invadida e destruída em função de uma notícia sensacionalista movida por interesses imorais e escusos. 

Tecnicamente, o longa impressiona até aos mais desatentos: a captação do som acompanha fielmente os ambientes e os formatos usados muitas vezes dentro de uma mesma cena - como por exemplo em uma sequência em que Selminha é interrogada pelo delegado e numa movimentação de câmera a perspectiva  no formato cinema muda para uma plateia de teatro alternando nitidamente a maneira como o som direto é ouvido. Outro detalhe técnico que é um primor é a fotografia em preto e branco, que, segundo Murilo, foi um recurso usado para neutralizar as transformações naturais ocorridas pela ação do tempo, como os modelos dos carros por exemplo - já que a história se passa nos anos 60, cenários e figurinos acompanham a data contemporânea em que a peça foi encenada originalmente. 

É seguro afirmar que Murilo Benício deu um tiro certeiro em sua primeira incursão atrás das câmeras, não só pelo cuidadoso trabalho de direção, mas pelas escolhas que fez, do elenco ao acabamento final, para que sua obra soasse como um oásis no meio de tantas produções iguais. E pra finalizar, como falei pra ele em uma breve entrevista (assista aqui) durante a pré estreia do filme, não seria nada exagerado dizer que 2018 foi o ano dele no cinema nacional: 'Animal Cordial' e 'Beijo no Asfalto' são de longe trabalhos geniais que tão cedo veremos igual no nosso cardápio cinematográfico.


Super Vale Ver !




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