PiTacO do PapO - 'Clímax' | 2019
NOTA 8.5
Dança insana da vida ...
Por Rogério Machado
Gaspar Noé faz parte da casta de cineastas na linha 'ame-o ou deixe-o'... e de vez - confesso que faço parte do primeiro time - sua vertente, nada racional ou convencional, me abocanhou desde o incrível 'Irreversível' (2002). Não dá pra tirar da mente a cena de um plano sequência absurdamente inquietante em que Monica Bellucci é violentada em um túnel deserto e avermelhado, além do que, o filme também inovava na forma: sim, uma trama apresentada em reverso, do fim para o início. Seu último longa, 'Love 3D' (2015) não teve a mesma sorte e só ganhou alguma repercussão pelas cenas de sexo explícito filmadas em três dimensões. Ele é o rei da polêmica, e como não poderia deixar de ser, 'Clímax', seu mais novo sonho alucinante em forma de filme, também traz uma narrativa 'fora da caixinha' e com o carimbo 'explicit' de seu regente.
O episódio de 'Clímax' se passa nos anos 90, quando um grupo de dançarinos urbanos se reúne em um galpão isolado (ou quem sabe um casarão abandonado), localizado no coração de uma floresta, para um importante ensaio. Logo após o ensaio - esse escolhido para um primeiro ato triunfante - uma grande festa de comemoração tem início, e depois de muitos e muitos copos de sangria, eles notam a atmosfera mudando e desconfiam que foram drogados quando uma estranha loucura toma conta deles. Sem saberem o por quê ou por quem, os jovens mergulham em um turbilhão de paranoia e psicose. Enquanto para uns parece o paraíso, para outros é como uma descida ao inferno.
Noé fez um filme barato: com um roteiro de apenas cinco páginas e só quinze dias de filmagens , a opção foi lançar mão do improviso e contar com o talento do elenco escalado, que na verdade é formado por duas atrizes profissionais (entre elas a já Hollywoodiana Sofia Boutella, numa visceral interpretação), sendo o restante da trupe composto por bailarinos, mas sem nenhuma experiência em atuar. O resultado é no mínimo interessante, e porque não dizer orgânico. Para além da desenvoltura do elenco, o olho clínico de Noé usando e abusando de elegantes e ousados planos sequência e tomadas vistas de cima, nos colocam no meio daquela pista que, de solar e dançante, começa a ganhar contornos escuros à medida que cada um vai dando vazão ao pior (ou o melhor) de si, em virtude da ação da 'sangria batizada' com LSD.
Apesar de toda verve insana e alucinante, não é difícil fazer uma leitura sensata e otimista do delírio cinematográfico chamado 'Clímax': a mensagem sobre como somos responsáveis por nossos atos e como a droga modifica nosso olhar sobre o que é certo e errado, é patente e não deixa margem pra erro. Em 'Clímax' , Gaspar Noé nos leva ao fundo do poço junto com seus personagens para então nos mostrar o caminho de volta.
Uns poderão sair da sala por achar o filme violento demais, quem sabe, outros, se entregarão a uma imersão completa; e dessa experiência nascerá a paixão pelo novo, pelo fora de lógica, pelo cinema sem regras ou pudores do cineasta franco-argentino que aqui reafirma seu legado. Ele mais uma vez prova que pode ser polêmico, mas também pode se superar na mensagem, na técnica, na inovação de um cinema que segue seu próprio caminho, ainda que por vezes fora dos trilhos.
Vale Ver !
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