PiTacO do PapO - 'Tea For Two' | 2019

NOTA 8.0

A reinvenção de si

Por Vinícius Martins @cinemarcante

A importância histórica do curta-metragem 'Tea for Two’ transcende sua temática e duração por ser o primeiro curta brasileiro dirigido por uma mulher trans a chegar aos cinemas. A cópia foi exibida após a sessão de 'Lembro Mais dos Corvos’, de Gustavo Vinagre, que conta a história de Julia Katharine, atriz amiga de Vinagre e diretora de 'Tea for Two’. Indagando a mim mesmo sobre as razões de o título ser em inglês, me vi na compreensão de que não há definições de gênero na frase. Pode ser tanto 'Chá para Dois’ como também 'Chá para Duas’ em sua tradução livre. Dois indivíduos, duas histórias, dois amores, duas mulheres. Aqui o gênero não tem relevância; o que importa é o sentimento e a empatia gerada por ele, e isso a produção cumpre com louvor.

O curta faz uso de elementos visuais curiosos e bem definidos em toda a composição da obra, indo do cenário repleto de referências a artistas populares, até o simples acréscimo de um item ao armário. A diretora, roteirista e atriz Julia Katharine segue um padrão hollywoodiano em sua narrativa, utilizando a fotografia, o design e a trilha sonora tomada de uma melancolia alegre - como uma pessoa triste que sorri - para compor uma jornada de libertação para as três mulheres cujas vidas são cruzadas em uma casa. A diretora prefere mostrar ao invés de falar, e isso é bom; rendendo até uma cena “pegadinha”, com uma narração em off de supostos pensamentos de uma personagem que vai contra esse princípio, mas que se mostra na verdade o diálogo da cena seguinte. Por outro lado, a escolha de Julia em participar do projeto também na atuação, em um papel secundário tão importante, deixou nítido parte de uma ansiedade iniciante em querer o melhor resultado possível (ela escreve, dirige e atua na produção), revelando um nervosismo pelo cuidado talvez excessivo com as suas múltiplas funções por trás das câmeras e afetando, assim, seu desempenho natural na frente delas.

A protagonista, uma diretora cinematográfica premiada que vive um reencontro consigo mesma na meia idade, carrega suas cenas com uma verdade crível quando expressa com olhares os conflitos internos sobre a ex-esposa, a carreira e o amor próprio. O enredo parece guiar para uma direção e, com uma mudança rápida de timbre e expressão da atriz Gilda Nomacce, muda totalmente a perspectiva quanto ao que poderia acontecer. A jornada de auto-redenção passa assim sua mensagem sobre o inevitável curso da vida, com suas variações intermináveis e suas constantes surpresas, e lembra que a melhor maneira de encontrar a luz é, às vezes, ficando no total escuro; no vazio é mais fácil definir um norte a ser seguido, e de vazios essa obra entende muito bem.

Vale Ver !

➤Confira o pitaco de 'Lembro Mais dos Corvos’, filme documental protagonizado pela diretora de 'Tea for Two’ e que teve exibição conjunta nos cinemas.