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Especial : Grandes Mestres - Os Eventos de Baz Luhrmann

Grandes Mestres, Capítulo 2


Continuando com a nossa nova coluna, seguimos agora para um capítulo bastante musical e comemorativo. Se tem um cara que sabe como transportar o espectador de sua poltrona para o ambiente de uma festa, seja ela megalomaníaca ou intimista, esse cara é Baz Luhrmann. E é sobre ele que falaremos hoje.


BAZ LUHRMANN

Mark Anthony Luhrmann é um diretor australiano, nascido em Sidney, que adotou para si o nome artístico de Baz Luhrmann, com origem judaica. Nascido em 17 de Setembro de 1962, Baz é casado até hoje com Katherine Martin, com quem “compartilha o travesseiro” desde o ano 1997. Ele foi indicado ao Oscar de 2001 por seu trabalho como produtor (à estatueta de Melhor Filme, no caso) no brilhante 'Moulin Rouge - Amor em Vermelho', filme que ele também dirigiu e que foi estrelado por um elenco majestoso, composto por Nicole Kidman e Ewan McGregor entre outros.

Porém, antes de falarmos com mais detalhes dos aspectos que tornam Baz um diretor memorável, vamos fazer uma breve recapitulação de seus dois primeiros trabalhos na indústria para entender, de uma forma simples mas eficiente, as origens do cineasta e a formação de suas características mais fortes. Baz começou sua jornada como diretor com uma produção musical australiana chamada 'Vem Dançar Comigo', do ano 1992. O longa conta a história de uma dupla improvável que decide disputar um campeonato de dança de salão, o Pan Pacific. E já este filme, que foi seu primeiro, se tornou vencedor de prêmios internacionais consagrados: o BAFTA, o TIFF (Festival Internacional de Toronto), e até o Festival de Cannes. Com esse sucesso estrondoso, seu nome chegou até a Fox para dirigir a ousada versão contemporânea do clássico 'Romeu & Julieta', peça escrita por William Shakespeare que nessa nova visão ganharia uma repaginada que o encaixasse na atualidade (a atualidade da década de noventa, mais especificamente, que é quando o filme foi feito e lançado nos cinemas). E a partir daí criou-se um sinal marcante em seu maneirismo de contar histórias, que é o que hoje torna a sua assinatura notável: o seu gênio extremamente musical.


LUHRMANN E A MÚSICA

Os filmes de Baz estão sempre intimamente ligados com a música. Em 'Austrália' há uma riquíssima apresentação do folclore aborígene em expressões musicais nativas, criadas por antepassados e ensinadas de geração em geração. No caso de 'Romeu + Julieta', que tem um apelo mais pop, foram escolhidas canções de bandas como Radiohead, The Cardigans, The Wannadies, Butthole Surfers e também da Garbage para a composição o fundo musical, além de melodias originais desenvolvidas pelos três compositores da produção: Nellee Hooper, Craig Armstrong e Marius de Vries. A trilha minuciosamente escolhida contribuiu para tornar icônicas cenas aparentemente simples, como o momento em que o casal protagonista se olha pela primeira vez - situação que ocorre ao som de “I´m Kissing You”, cantada pela bela voz da cantora Desiree Weeks. Quem assistiu ao filme certamente tem guardada na memória a ocasião em que Leonardo DiCaprio e Claire Danes flertam através de um aquário, se encarando de lados opostos, antes de receberem a pesada informação de que eram membros de famílias rivais. De um modo geral, a releitura feita na obra, embora genial, divide opiniões até hoje; mas se tem algo que beira a unanimidade entre os fãs é a qualidade na escolha das músicas que embalam a trajetória trágica do casal desafortunado.

Já em 'Moulin Rouge: Amor em Vermelho', foi dado um passo além. Se a trama shakespeariana - que não era um musical - não exigia o uso das qualidades vocais para o canto durante a atuação, aqui o diretor usou e abusou das capacidades de seu elenco, exprimindo ao máximo seus atores e atrizes em seus talentos tanto para o canto como para a dança, a fim de tornar seu novo filme um espetáculo completo. Baz selecionou a dedo um repertório singular e criou uma nova versão para clássicos cultuados de diversos artistas e bandas populares, tais como Madonna, Queen, Nirvana, The Police, Whitney Houston, Sir Elton John, Nat King Cole, e homenageou até o clássico 'A Noviça Rebelde', filme vencedor do Oscar da década de sessenta; todas músicas encaixadas perfeitamente em um contexto fluente e cabível, dando sequência e naturalidade para a trama enquanto seus espectadores são conduzidos ao devaneio artístico e romântico de Luhrmann ao narrar o amor caótico de Christian e Satine, seu casal de protagonistas. O único ponto a desconsiderar é o fato de que a história se passa em 1900 e as músicas (com exceção do 'Can-Can' e mais algumas canções clássicas de cabaré) são todas criações posteriores ao período da trama contada; mas isso deve ser encarado como licença poética.


E para seu filme mais recente, inspirado pela dose exagerada de qualidade do livro de F. Scott Fitzgerald, Baz superou a si mesmo ao entrar em contato com artistas musicais de excelência para pedir composições exclusivas, promovendo a criação de novas músicas para sua versão de 'O Grande Gatsby', que chegou aos cinemas em 2013 e foi mais um título premiado - com dois Oscar, inclusive - na carreira do visionário diretor. A trilha contou com os nomes de Lana Del Rey, Florence and The Machine, Fergie, Jay Z, Beyoncé, Will.I.Am, Emeli Sandé, The XX, Sia, e Gotye. O disco das canções (principalmente em sua edição deluxe) já é uma obra de arte, e dentro da história contada de forma tão magistral se torna ainda mais deslumbrante. 

Luhrmann gosta de trabalhar com parcerias. Uma das mais notáveis é a que ele firmou com o compositor escocês Craig Armstrong, com quem fez todos os seus filmes desde 'Romeu + Julieta', de 1996, com exceção de 'Austrália', lançado no Brasil em 2009, porque a proposta do filme era ter equipe e elenco inteiramente formados por profissionais australianos. E outra coisa em que Luhrmann também é especialista é na ambientação. Suas obras são sempre muito bem detalhadas, principalmente no que se diz respeito aos figurinos. Há um cuidado notável em tornar palpável cada cenário, cada fotografia, e cada tira de comicidade que possa ser extraída de suas alegorias visuais. Não é a toa que ele trabalha, desde o seu primeiro filme, com a figurinista e diretora de arte Catherine Martin, que se tornou sua esposa após o lançamento de ‘Romeu + Julieta’ e foi quem ganhou quatro prêmios Oscar por dois filmes feitos com o maridão: ‘Moulin Rouge’ e ‘O Grande Gatsby’, tendo discursado após receber as estatuetas de Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte.

De um modo geral, podemos dizer que Baz Luhrmann é um diretor a moda antiga, um tanto quanto cafona, e não se envergonha de tal característica nem um pouco; na verdade é esse o ponto que torna seus filmes tão carismáticos. E para mostrar melhor suas manias, listamos a seguir alguns de seus traços mais reconhecíveis.


5 CARACTERÍSTICAS DOS FILMES DE LUHRMANN

1 - Cenas repetidas

Se você for analisar os filmes do Baz, verá que ele frequentemente usa cenas do decorrer da trama para apresentar, já na introdução do filme, os ambientes onde as histórias se passam; isso é mostrado enquanto ocorre uma narração em off (não obrigatoriamente do protagonista) e o público é posto a par de qual é o enredo que moverá as próximas duas horas de suas vidas. Foi assim, por exemplo, com o deveras citado 'Moulin Rouge - Amor em Vermelho', onde Christian, o personagem principal e narrador da história, expõe em suas palavras poéticas o prostíbulo / clube noturno onde se passarão a maioria das cenas seguintes; nessa sequência, enquanto Christian fala, aparecem cenas das dançarinas da boate em suas apresentações rotineiras e também a entrada triunfal de Harold Zidler (interpretado por Jim Broadbent) com seu rosto na fenda de uma cortina, sendo que tais cenas são utilizadas (ou reutilizadas, dependendo do ponto de vista) exatamente dez minutos depois. O mesmo acontece em 'O Grande Gatsby', na hora em que Nick Carraway (Tobey Maguire) apresenta Nova York e as razões de ter ido até a "grande maçã"; enquanto ele fala, é exposta na tela uma série de cenas picotadas, dentre as quais estão as festas da mansão Gatsby e a externa noturna entre os prédios da cidade se distanciando em uma movimentação rápida de câmera. Esses mesmos frames da cidade aparecem após Tom Buchanan (Joel Edgerton) bater em sua amante, Myrtle, e Nick olhar a cidade pela janela, e terminam no alto de um prédio ainda em construção, onde dois operários trabalham com suas ferramentas em punho. Esse mesmo artifício é usado também em ‘Romeu + Julieta’, mas de forma ainda mais descarada, já que é falado que isso é o que está por vir.

2 - Efeitos toscos

Baz tem um certo fetiche com o chroma key. Seus filmes sempre me pareceram pecar quando careciam de uma apresentação de efeitos visuais, até que percebi que isso é proposital. Há, muitas vezes, um destoar quase incômodo entre o que é mostrado em primeiro plano em contraste com o fundo. Posso ficar narrando aqui dúzias de cenas onde os efeitos são “porcos” (como o estouro da boiada de ‘Austrália’), inorgânicos ou meramente incondizentes com tom da cena, mas não o farei. Esses efeitos não estão lá por falta de capricho, mas sim para criar a atmosfera fantástica do filme, que se faz equilibrado em cima de uma linha tênue que divide o real do imaginário, do mundo da fantasia, do surreal. É como se algumas coisas fossem fruto de um sonho, e os espectadores tivessem consciência de que estão “dormindo” e acordarão após o término do filme. Isso é um método estranho de provocar a imersão, mas que tem se provado ser curiosamente funcional.

Há vezes em que ele decide ser fotorrealista e torna seus efeitos críveis, como é o caso da cena abaixo de ‘O Grande Gatsby’. Porém, neste mesmo filme, há uma cena escrachada de chroma key onde é impossível acreditar que a Carrey Mulligan estava de fato em um cenário. Estou falando, é claro, da cena em que Gatsby leva Daisy para conhecer a mansão, e a mulher fica maravilhada com os jardins e o chafariz logo após passar pelos portões. A cena pode ser vista no trailer ao final do texto, por volta dos 1:12 de duração.


3 - Frames acelerados

Muitas vezes você verá cenas em seus filmes com alteração na velocidade dos frames. Na maioria esmagadora das vezes, a velocidade é aumentada e é inserido, através disso, um ar cartunesco ao que está sendo exibido. Lembra, inclusive, aqueles desenhos das décadas de 80 e 90, onde alguém é perseguido e o perseguidor se atrapalha de algum modo, e todo mundo se pega destrambelhado no chão. Talvez esse seja um meio de encurtar a duração de seus filmes, ou somente evitar o tédio de informações sem tanta utilidade que tomariam um tempo desnecessário na tela e que poderia ser aproveitado em outros momentos mais oportunos para a trama. De qualquer forma, as cenas aceleradas estão sempre presentes.

4 - Círculos completos

Suas obras se abrem e se fecham como espetáculos redondos, com começo, meio e fim. São tramas episódicas, que se fazem em eventos cinematográficos que contam histórias que envolvem eventos do mundo ficcional. ‘Moulin Rouge’ é como um grande espetáculo teatral, que se inicia com o abrir das cortinas e se conclui com o seu fechar, da mesma forma que ‘Romeu + Julieta’ é aberto com manchetes jornalísticas em uma televisão isolada em zoom-in e é concluído com outras manchetes em zoom-out. Junto com ‘Vem Dançar Comigo’, estes filmes compõem a “Trilogia das Cortinas” de Baz Luhrmann. ‘O Grande Gatsby’ é outro grande exemplo, com seu magnífico 3D e sua belíssima configuração de cenário, que é o mesmo que abre o filme e permanece nos créditos finais.

5 - Exageros

Se os frames acelerados ajudam a moldar um aspecto de caricatura, certamente os exageros que Baz lança na tela são a cereja em cima do bolo. Os melhores exemplos estão em ‘Moulin Rouge’, que tem umas alucinações visuais incabíveis e divertidíssimas. Além de cartolas que são vistas a quilômetros de distância enquanto são jogadas para o alto e uma cidade inteira que se ilumina quando um cara vai para a janela cantar, há a cena surreal do revólver que voa da mão do Duque e bate no alto da Torre Eiffel. Esse tipo de exagero é recorrente em suas obras, embora em algumas seja trabalhado de maneira mais discreta.


O LEGADO

Cada obra de Luhrmann é um evento convidativo, tanto enquanto filme como também em festividade. Quem não gostaria de visitar o Moulin Rouge do filme? Ou visitar o misterioso Jay Gatsby em sua mansão enquanto acontecia mais uma de suas inesquecíveis festas megalomaníacas? Quem não gostaria de ir a um baile de máscaras como aquele em que Romeu e Julieta se conheceram? Ou até assistir ao campeonato de dançarinos australianos no gelo? Baz Luhrmann consegue colocar no seu público a vontade de entrar na tela e interagir com aqueles ambientes e aquelas figuras tão estranhamente singulares, que se mostram facilmente empáticas e humanas. Os personagens de seus filmes sempre trazem dilemas morais de caráter universal, atingindo a todos de alguma maneira e impossibilitando que sejam os mesmos após o término da sessão. Seus filmes são singularmente icônicos e geniais por uma razão: são regidos com paixão por alguém que promove a vida e a arte de viver, mesmo narrando tragédias e desventuras na maioria das vezes. Afinal, como dizem, é a ideia de finitude que dá às pessoas a vontade de aproveitarem o tempo que possuem, é a morte que dá sentido à vida, é a consciência da própria mortalidade que cobre o indivíduo com a vontade de viver. E criar eventos que exaltam a vida, nas telas e nas arquibancadas dos cinemas, é um feito que poucos conseguem atingir. Um viva ao grande Baz!

E se você ainda não o conhece, comece por ‘Moulin Rouge’ e se apaixone pela arte, pela música e pela qualidade de Luhrmann.

Liberdade. Beleza. Verdade. Amor.
Muito amor. 

PS: Assistam a ‘The Get Down’, uma série original da Netflix, estrelada por Justice Smith e criada pelo Baz. É, obviamente, extremamente musical e de uma qualidade gigantesca. Vale a pena conferir, principalmente para quem gosta de ambientação de época e debates raciais.

Por Vinícius Martins 


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