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PiTacO do PapO - 'A Vida Invisível' | 2019

NOTA 10

Por Rogério Machado

Eurídice e Guida estão contemplando o mar. Guida, num salto, corre em direção a uma floresta e chama Eurídice, que segue logo atrás dela.... Mas em instantes, Guida some do olhar de Eurídice que se esforça para saber de onde vem aquela voz que grita por ela. 

Essa breve introdução capta com muita delicadeza a história de separação de duas irmãs retratada em 'A Vida Invisível', adaptação cinematográfica do livro 'A Vida Invisível de Eurídice Gusmão', da escritora pernambucana Martha Batalha. O longa que chega em circuito comercial no fim de novembro, foi laureado em Cannes esse ano e é o escolhido para brigar por uma vaga entre os candidatos a Melhor Filme Internacional no Oscar 2020.  A contar pela força da trama, a presença de Fernanda Montenegro no elenco, e o já premiado produtor Rodrigo Teixeira (figura reconhecida em Hollywood, responsável pelo sucesso mundial 'Me Chame Pelo Seu Nome' - 2017), a produção tem grandes chances de chegar lá.


A trama se passa na cidade do Rio de Janeiro, na década de 1940. Conheceremos Eurídice (Carol Duarte), uma jovem talentosa, que quer ser pianista,  mas ao mesmo tempo é muito introvertida. Já Guida (Julia Stockler), sua irmã mais velha, é o oposto de seu temperamento em relação ao convívio social. Ambas vivem em um rígido regime patriarcal, o que faz com que trilhem caminhos distintos: Guida decide fugir de casa com o namorado grego, enquanto Eurídice se esforça para se tornar uma musicista, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as responsabilidades da vida adulta e um casamento sem amor com Antenor (Gregório Duvivier). O tempo haveria de ser cruel com as escolhas de cada uma dessas irmãs, separadas pela força que uma cultura machista possui, principalmente na década de 50.

O machismo enraizado na sociedade é o mote desse drama que faz duas irmãs unidas serem afastadas, e mesmo sendo muito diferentes, nutriam um amor profundo uma pela outra. Os traços desse patriarcado nocivo se fazem presentes no desenvolvimento do roteiro, desde detalhes apresentados de maneira bem sutil - como quando Antenor pergunta a Eurídice, já grávida, o que uma mulher naquele estado iria fazer num conservatório de música, até em sequências mais explícitas através dos ataques de histeria do pai - um imigrante português conservador. Ainda há outros momentos onde a força masculina se sobrepõe às vontades da mulher, principalmente nas cenas de sexo entre Eurídice e o marido - essas muito mecânicas, unica e exclusivamente para saciar uma necessidade fisiológica. 

Dentre tantos pontos positivos atribuídos ao longa, e apuros técnicos acima da média, como o emprego das cores, da luz, em uma fotografia quente e elegante, o longa de Karim Aïnouz tem como maior dádiva a sensibilidade de seu regente para abraçar uma história de mulheres fortes, e abordá-la com uma riqueza de detalhes única, além de um ritmo fluido (equilibrando o drama com traços pontuais de humor), mesmo com as quase 2 horas e meia de duração. 

'A Vida Invisível' já nasce clássico. É dessas obras que não vemos todos os dias, que conjuga técnica e emoção na mesma medida. Do elenco afinadíssimo, (cujo ponto alto se faz numa participação da diva Fernandona), passando pela direção assertiva, e um roteiro bem desenvolvido, o longa tem todo gabarito para uma grande premiação internacional, e que ela seja no mínimo uma indicação ao Oscar, por favor. 


Super Vale Ver !


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