PiTacO do PapO - 'Aqueles que Ficaram' | 2019
NOTA 7.5
Por Rafael Yonamine @cinemacrica
Um dos traumas do pós-guerra é a inevitável solidão dos que ficam. Poucos anos após o conflito de 1945, Aldo e Klára são reféns da falta da companhia próxima daqueles com que dividiam intimamente o cotidiano. Ele, um ginecologista judeu que perdeu a mulher no holocausto. Ela, uma adolescente sem o paradeiro dos pais e criada por uma tutora. O contato inicial entre os personagens ocorre numa consulta. A carência é tamanha que um simples passo além da conversa técnica é uma possÃvel porta de entrada para o conforto humano.
Pode-se questionar inicialmente a verossimilhança do estreitamento do laço resultante de uma consulta banal e a disparidade etária entre os personagens. Sem esforços da proponente ou preocupação do anfitrião, Klára logo passa a visitar o receptivo doutor em seu apartamento. A justificativa dessa permissividade, além dos traumas históricos, também é trabalhada com uma estética funcional. Predominam os tons de cores pálidos embalados por uma trilha sonora tão sisuda quanto Aldo.
Embasamentos da afinidade dos personagens à parte, a direção de Barnabás Tóth passa a nutrir a relação daqueles que, apesar das diferenças evidentes, têm na carência um forte elo em comum. A relação evolui calcada num afeto que se avoluma organicamente. As simples conversas migram para a rotina do convÃvio conjunto e o hábito de Klára passar a dormir na casa de Aldo. Os que estão no entorno dessa relação, como vizinhos e professores da garota, não hesitam em manifestar a dúvida sobre o que estão vivendo sob o teto do anteriormente solitário ginecologista. Essa zona de instabilidade é o ponto alto da obra: o questionamento coletivo invade em forma de ambiguidade o que os novos amigos sentem um pelo outro, afinal, o afeto pode transitar em diferentes formas e intensidade.
A maior fragilidade, contudo, deriva justamente do abandono do esmiuçamento dessa proposição afetiva. Investe-se muito tempo na construção da cumplicidade e há praticamente uma cena que trabalha a perturbação da dubiedade com êxito.
Vale Ver !
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