Adsense Cabeçalho

'Link Perdido' | 2019

NOTA 7.0

Os brutos também sofrem

Por Vinícius Martins @cinemarcante


Os filmes animados no estilo stop-motion (popularmente conhecidos como os “filmes de massinha”) são sempre encantadores por sua técnica e graciosidade. Este estilo de animação costuma ter sempre o prestígio de ser lembrado nas indicações ao Oscar na categoria Melhor Filme Animado, e na 92ª edição do prêmio de maior reconhecimento no cinema mundial, celebrada em fevereiro de 2020 não poderia ser diferente. O representante da vez é ‘Link Perdido’, que chegou aos cinemas brasileiros com um lançamento discreto em novembro de 2019 e ficou pouco tempo em cartaz. Todavia, apesar de ter sido um fracasso de bilheteria tanto aqui quanto no exterior (sua estréia ocorreu em abril de 2019), o longa do estúdio Laika conquistou a crítica internacional e vingou com indicações a prêmios importantes.

O que ‘Link Perdido’ tem de melhor a oferecer ao público é a leveza. Além de belo e detalhado, o filme é de uma simplicidade gigantesca. O roteiro apresenta Lionel Frost (voz original de Hugh Jackman), um explorador ambicioso e egocêntrico que almeja reconhecimento e parte em uma jornada atrás de alguma criatura que lhe dê renome ao ponto de merecer entrar para uma sociedade de cientistas elitizados. Ele encontra um Pé Grande de cor castanha (Zach Galifianakis), habitante das florestas norte-americanas, e eles entram em um acordo de favorecimentos: o Pé Grande (que passa a ser chamado de Link, em um trocadilho em inglês com o “elo perdido”) quer sair de sua solidão e encontrar os familiares que habitam as cordilheiras do Himalaia, e Frost aceita levá-lo até lá se o mesmo fornecer as evidências de que Lionel precisa para que seja comprovada a sua existência. Em sua jornada eles encontrarão uma viúva entediada (Zöe Saldana) e um caçador persistente (Timothy Olyphant) contratado por um magnata de pensamento arcaico (Stephen Fry). É uma premissa simples e fácil de digerir. 


Uma das sequências belissimamente trabalhadas de ação em ‘Link Perdido’ presta homenagem ao genial ‘A Origem’, de Christopher Nolan. A cena de batalha no corredor que gira como em um eixo é comicamente replicada aqui, em um plano onde todos estão em um navio e lutam por suas vidas, enquanto as ondas fazem o senso de gravidade se alterar gradativa e constantemente. Toda a ambientação do filme é bem trabalhada em uma fotografia que favorece o excelente trabalho de manipulação dos personagens modelados, e é notável a sutileza dos cuidados com a iluminação, as sombras, os reflexos e inclusive o brilho dos olhos dos personagens, dando ares mais orgânicos e acrescentando “alma” às suas figuras - como se seus globos oculares estivessem sempre lubrificados pelas glândulas lacrimais.

No entanto, apesar de ser belo em sua técnica e possuir um roteiro prazeroso e engraçado, ‘Link Perdido’ sofre o desgaste da repetição temática aderida ao estilo. Vejamos todos os filmes indicados ao Oscar que usam essa mesma técnica, desde a criação da categoria:

➤ ‘Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais’
➤‘A Noiva Cadáver’
➤ ‘Coraline e o Mundo Secreto’
➤ ‘O Fantástico Sr. Raposo’
➤ ‘Frankenweenie’
➤ ‘Paranorman’
➤ ‘Piratas Pirados!’
➤ ‘Os Boxtrolls’
➤ ‘Anomalisa’
➤ ‘Shaun: O Carneiro’
➤ ‘Cubo e as Cordas Mágicas’
➤ ‘Ilha dos Cachorros’

Com exceção de ‘Anomalisa’ (cuja trama ocorre em 2005), ‘Frankeweenie’ (que não define o período mas traz elementos contemporâneos ao público) e 'Ilha dos Cachorros' (que se apresenta como futurista), todos os demais filmes listados possuem jornadas de época, apontando para histórias ocorridas em séculos anteriores ao XXI. TODOS ELES, inclusive, tem um viés místico - ou mágico, se preferir o termo - de fantasia e absurdidades irreais. Vê-se um nítido vício em transformar filmes stop-motion em releituras históricas; e isso é cansativo. Parece que o uso desse meio da animação está limitado a contar histórias de eras passadas com um apelo surreal, e ‘Link Perdido’ sofre por ser mais um igual a tantos outros anteriores a ele, acrescentando outro título ao oceano de obras apócrifas que se avoluma com cada novo lançamento. Para piorar a situação, ele chegou aos cinemas pouco tempo depois de ‘Pé Pequeno’ e ‘Abominável’, que foram outras duas animações (em 3D, no caso) de estúdios concorrentes que fizeram muito mais bilheteria e são muito mais lembradas quando se trata de abordagens às figuras do Iéti e do Pé Grande.

O estilo rústico (bruto, manual) de fazer animações usando massas de modelar está sofrendo as consequências da sua falta de inovações, e ‘Link Perdido’ não apresenta nenhuma novidade memorável. A maior marca visual que o desenho deixa na memória são os animais propositalmente estranhos. Cavalos, aves e até um elefante, que são criaturas com olhos nas posições laterais dos crânios, aqui são representados com feições “humanas”, com os dois olhos na parte frontal da face. Isso gera um pequeno incômodo ao espectador, mas também dá um quê charmoso ao filme já que não conseguimos evitar olhar ou parar de encarar os bichos anormais.

A lição que fica aos pequenos após a exibição do filme (porque hoje em dia todo filme tem que ter uma lição, é claro - nada é mais só diversão por diversão) é que todos precisam de alguém. A solidão pode gerar sofrimento e tristeza, mesmo que pareça ser boa e muitos a tratem como sinônimo de paz. Todos precisam de alguma coisa, e todos querem alguma coisa, sempre. O pé grande precisa encontrar os seus iguais para se sentir parte do mundo, e o explorador precisa comprovar a existência do pé grande para se sentir parte do mundo. Um mundo é primitivo, e o outro é moderno. Qual é qual, obviamente, fica implícito nas entrelinhas críticas que o filme deixa no ar - assim como as posições dos dedos de homem e fera na cena que replica o afresco de Michelangelo na Capela Sistina, cujo nome é ‘A Criação de Adão’. Resta, então, torcer por uma evolução criativa dos roteiristas e mais ousadia aos estúdios de stop-motion para que parem de replicar mais do mesmo e sejam mais inventivos e ousados.


Vale Ver !


Nenhum comentário