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'Perdi Meu Corpo' | 2019

NOTA 9.0

O reencontro consigo mesmo

Por Vinícius Martins @cinemarcante

Há duas maneiras de entender ‘Perdi Meu Corpo’: uma literal e outra metafórica. Na interpretação literal, que não é mais fácil do que a outra, acompanha-se a história de uma mão que quer reencontrar o corpo da qual foi separada, e parte em uma difícil e incrível “jornada para casa”, rumo ao jovem que teve o membro amputado em um acidente. Em paralelo, vê-se o jovem nas “memórias” da mão e nas coisas que passaram juntos. É uma obra contemplativa e bastante sensitiva, e curiosamente não há nenhuma obscenidade apresentada na relação exposta do jovem com sua mão, mesmo sendo um filme destinado ao público adulto.


A interpretação metafórica, que acredito ser a mais coerente (e também extremamente complicada), trata a trama como um processo de um reencontro consigo mesmo em uma jornada intimista de autoconhecimento e amadurecimento. Não existe aqui o distanciamento entre o que é e o que poderia ser, e a vida do protagonista (o garoto Naoufel, não sua mão amputada) se resume ao apego de lembranças de uma vida que não existe mais; de quando seus pais ainda eram vivos. O jovem é lúcido e totalmente consciente da vida que leva e das dificuldades que enfrenta. Seu contato com o passado se dá através de um gravador de fitas K7, que é como o entendemos cada vez mais enquanto a mão retorna, em paralelo, para o corpo.

O que se mostra na animação francesa indicada ao Oscar e dirigida por Jérémy Clapin é um exercício complexo de, com o perdão do trocadilho, aprender a abrir mão. A mensagem final, com toda a sua apreensão e o excesso de frustrações que resultam na clara depressão do personagem central, diz que chega uma hora em que é necessário se arriscar e deixar o passado ir. Simplesmente deixar ir, sem o medo do desapego. A verdade é que o hábito de se prender a “linhas alternativas” e criar uma realidade paralela para se viver refugiado é, apesar de confortável e até certo ponto segura, uma barreira que impede o indivíduo de viver. E Naoufel entende isso no limiar de sua jornada, quando o público acompanha o desfecho de sua história esperando uma tragédia e encontra, na verdade, uma libertação. 

A animação belíssima distribuída pela Netflix dificilmente ganhará o Oscar a que foi indicada, mas sua beleza delicada faz por merecer a indicação que recebeu. ‘Perdi Meu Corpo’ poderia se chamar ‘Perdi a Mim Mesmo’ que também caberia perfeitamente, mas há de se convir que a ideia de ilustrar o caminho que se percorre até se reencontrar foi bem mais atrativa e satisfatória. Uma bela animação, com uma triste trilha sonora (obra de Dan Levy), e com um gosto amargo de dor que se substitui pela gama deliciosa da superação. Se ganhar o Oscar, certamente terá merecido.


Super Vale Ver!




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