As mentiras poéticas de ‘Ameaça Profunda’ | 2020

NOTA 7.0

A profundidade cientificamente superficial

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Quando ‘Alien: O Oitavo Passageiro’ chegou aos cinemas em 1979, sob a direção de Ridley Scott, os infortúnios da tenente Ripley (interpretada por Sigourney Weaver) ganharam o público por provocar a aflição de todos mediante o desconhecido que se esconde nas sombras, observando e caçando a tripulação da nave rebocadora Nostromo da maneira mais claustrofóbica possível. A fórmula tentou ser replicada diversas vezes no cinema, quase totalmente sem sucesso. E então, quarenta anos depois, uma espécie de “versão alternativa” estreou nas telas sem grande alarde, com a história da vez se passando no fundo do oceano, junto às fossas marianas.

O elenco dessa emulação de Alien, encabeçado por Kristen Stewart, conta com os nomes de Vincent Cassel, John Gallagher Jr., Jessica Henwick e T. J. Miller. A comparação com Alien, apesar de parecer covarde, é totalmente inevitável dadas as semelhanças entre as tramas, principalmente com os arquétipos que a jornada impôs às suas heroínas. Kristen Stewart não é Sigourney Weaver, obviamente, mas para a surpresa de todos tem concebido boas atuações que evidenciam seus dotes na entrega dos papéis que assume. Aqui vemos mais um exemplar da capacidade artística da atriz, que está cada vez mais saindo das caretas estáticas da saga ‘Crepúsculo’ e ganhando o mundo com papéis mais expressivos e ousados. Depois de ‘Acima das Nuvens’, ‘Café Society’ e ‘Na Estrada’, a carreira de Stewart no cinema independente se permitiu arriscar algumas promessas de blockbusters, tais como o remake de ‘As Panteras’ e a aposta sci-fi ‘Ameaça Profunda’, o filme em questão, que chegou aos cinemas brasileiros com sessões limitadas (em especial pela demanda de ‘Frozen 2’) logo no início de 2020. Ela carrega o filme, conduz o público e dita o ritmo das urgências iminentes. Além desses pontos positivos, ela aqui tem carisma o suficiente para que o público se importe com ela, e isso já é um grande avanço tendo em vista seus filmes de dez anos atrás.

O roteiro é, ao mesmo tempo, simples e ousado. Começando com o pé na porta e jogando os espectadores direto na ação antes de explicar o contexto e suas causas, a trama circula um grupo de operários de escavação subaquática que ficam encurralados no fundo do oceano pacífico e precisam arrumar algum jeito de retornar à superfície - isso enquanto são perseguidos por criaturas primitivas que, pelo que parece, habitavam algum bolsão sob a superfície da crosta das fossas marianas e foram libertadas após a escavação alcançar seu habitat. O que torna o filme difícil de aceitar como ficção científica é que, mesmo querendo ser visto como tal, ele se permite o capricho de abusar de alguns exageros, o que lhe dá um espectro de mentira descabida. No caso da franquia ‘Alien’, por exemplo, apesar de não haver nada que confirme a existência de xenomorfos, não há comprovações de que uma situação como a vivida pela tripulação da Nostromo não poderia ser real - daí a justificativa do termo “ficção científica”, que atribui fantasia à ciência de uma maneira cabível e até então não refutada. No entanto, no caso de ‘Ameaça Profunda’, a própria ciência já o desmentiu antes mesmo de ele ser idealizado. Não é possível fazer uma caminhada no solo oceânico a mais de dez mil metros de profundidade, qualquer pessoa seria esmagada pela pressão e pelo peso da água acima e ao redor. Isso pode ser encarado como uma licença poética? Pode, é claro, com algum apelo à ignorância - dando o crédito de ser algo “futurista”, quem sabe -; mas ainda assim soa absurdo demais para ser crível, mesmo com qualquer avanço tecnológico. Um humano em um traje simples de caminhada subaquática conseguindo suportar a pressão do ponto mais profundo de todos os oceanos? Faça-me um favor! O melhor a se fazer é encarar ‘Ameaça Profunda’ como uma fantasia - que é até uma categoria que pode ser mais justa a ele.

Os sustos, a tensão e o temor pelo que está rodeando e observando de longe cada movimento na espreita é algo que aterroriza qualquer pessoa na situação apropriada. O filme dirigido por William Ewbank consegue criar bem essa atmosfera, isso é um crédito e tanto se comparado aos demais que tentaram o mesmo feito, e as baixas sofridas do pequeno grupo de operários são de fato sentidas nas expressões apavoradas dos demais membros das sobras da tripulação. As emoções parecem verídicas, contrapondo os termos técnicos que ficam deslocados quando a própria física fica incoerente dentro da proposta estabelecida. Sem mais delongas, ‘Ameaça Profunda’ é uma sessão pipoca muito boa se você conseguir desligar o cérebro e embarcar na ideia apresentada. É pra se assustar, sentir tensão e torcer pela sobrevivência do povo, e só. Em suma, é um daqueles filmes que você não pode pensar muito após assistir porque, de alguma maneira, ele vai acabar perdendo a graça.

Vale Ver !