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Dica do Papo: Lavoura Arcaica | 2001

Por Rogério Machado

'Lavoura Arcaica' , adaptação do livro homônimo (1976), é uma viagem cinematográfica em que os universos de dois artistas, um da palavra, outro da imagem, se sobrepõem. O diretor Luiz Fernando Carvalho, que também coproduziu, roteirizou e editou o filme, foi fiel aos diálogos poéticos do livro de Raduan Nassar.  Para saborear a experiência, nesse caso, faz-se quase que necessário a simpatia pela poesia.  É claro, que vamos nos deparar com um texto bastante erudito em alguns momentos, e diálogos de grande contemplação implícita, mas se o expectador embarcar na proposta apresentada, não haverá outro jeito senão apaixonar-se pela produção que até hoje é um marco no nosso cinema, um dos poucos épicos nacionais que temos notícia. 


Na história Selton Mello é André, um filho desgarrado que saiu de casa devido à severa lei paterna, (Raul Cortez) e o sufocamento da ternura materna (Juliana Carneiro da Cunha). Pedro (Leonardo Medeiros), seu irmão mais velho, é quem recebe de sua mãe a incumbência de trazê-lo de volta ao lar. Cedendo aos apelos da mãe e de Pedro, André resolve voltar para a casa dos seus pais, mas irá quebrar definitivamente os alicerces da família ao se deixar levar pela paixão por sua bela irmã Ana (Simone Spoladore).

Luiz Fernando Carvalho imprime sua marca registrada, que eleva a poesia para além do texto: a carreira do diretor, recheada de grandes sucessos televisivos, tem produções como 'Capitu', 'Meu Pedacinho de Chão' e 'Hoje é Dia de Maria' , obras com linguagens próprias, com visual marcante e refinado que inovaram na forma de apresentar  histórias com lirismo e originalidade. 'Lavoura Arcaica' é menos rebuscado que as obras referenciadas aqui, mas ainda sim tem pontuais traços lúdicos, como se estivéssemos dentro de um sonho. A narrativa com longas sequências contemplativas, a trilha com violinos e a fotografia com efeitos em sépia complementam o visual  habitual proposto por Carvalho. 

Apesar do tema espinhoso, a poesia contribui para amenizar o impacto no espectador. Entendemos como aquele sentimento corrói os envolvidos, principalmente através das divagações de André, que corre e se debate para aplacar seu fogo, além do choro de Ana, imergindo-se no rompimento naquela relação que nunca mais haveria de ser a mesma. Aproveito para ressaltar a performance de Selton Mello, que mesmo tão jovem emprestou o rigor de um veterano a seu personagem. O peso do sucesso da obra, em grande parte pode ser atribuído à ele. 

Encerro com uma recomendação. 'Lavoura Arcaica' é uma produção inigualável, mas de certo não  é pra todo público. E é aí que entra uma observação pertinente: se muitos dos méritos vêm de Luiz Fernando Carvalho em não fazer concessões ao que seria mais 'palatável' , essa opção também o conduziu a problemas que não soube contornar. O filme falha algumas vezes em dialogar com o público. Nas quase três horas de duração, existem algumas cenas um pouco arrastadas e, em outros momentos, as falas são complicadas de serem compreendidas, tal a velocidade de palavras pronunciadas, principalmente por conta do timbre 'sussurrado' de Selton que detém a maior parte do texto e também é narrador da trama. 

É claro que essa falha nem de perto atrapalha a experiência de imersão pra quem se predispor a mergulhar, ou tira o brilho desse grande projeto que é genuinamente brasileiro. 




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