Adsense Cabeçalho

Como as sequelas de uma fraude reverberam em 'Ninguém Sabe Que Estou Aqui' | 2020

NOTA 8.0

Um estudo de trauma e rancor

Por Vinícius Martins @cinemarcante


Justiça. Quem não gosta de uma boa e velha história de justiça? A verdade prevalecendo, as máscaras caindo, um herói - ou heroína - se erguendo das próprias cinzas. Tramas assim são inspiradoras, e costumam prender seu público gerando expectativa para a grande revelação da verdade e, assim, a ascensão de quem possui o mérito verossímil. Todavia, essa não é uma "velha" história de justiça em seu formato, apesar de ser uma boa história. As escolhas narrativas expostas em 'Ninguém Sabe Que Estou Aqui' evidenciam a inclinação à arte que emana de seu protagonista, para o bem e para o mal. Há aqui traços bem peculiares e individuais de se construir o caminho a ser percorrido, e isso é belo de se ver, mesmo apesar do incômodo estranhamento causado durante a primeira parte do filme.


Dirigida por Gaspar Antillo, a história de Memo é apresentada com um ritmo próprio e intimista, se revelando aos poucos em seu propósito real de reconciliação com o passado. É inevitável não lembrar do caso de Milli Vanilli, que se tornou uma febre musical entre os anos 80 e 90 e se revelou ser, alguns anos depois de ganhar um Emmy, uma fraude completa. Resumidamente, garotos com talento vocal gravavam as canções em arquivos de áudio e o produtor, que queria vender uma imagem com maior apelo de sensualidade para o público jovem, colocava os descolados Rob Pilatus e Fabrice Morvan para dublar as músicas perante o público como se fossem suas vozes, genuinamente. Em essência, é essa a grande tormenta de Memo (nome que remete a memória, memorando, ligação com o passado) em sua jornada traumatizada do período infanto-juvenil; o garoto gordo é deixado de fora da capa do disco porque sua imagem não é tão boa quanto sua voz - mas não é nisso que o filme se prende. A grande questão levantada aqui é: o que acontece com o emocional dos garotos cujas vozes foram "roubadas", ao verem outros levarem os créditos e elogios que deveriam ser seus?

Apesar de manter um ritmo lento e demorar um pouco para cativar, 'Ninguém Sabe Que Estou Aqui' é uma obra que se faz valer pelo final - mais precisamente por seus últimos vinte minutos -, que se contrasta com toda a rotina quieta que se viu na uma hora anterior, justificando-a. Sem esse período de "calmaria" a tempestade que cai não teria o seu devido impacto. É preciso sentir o peso do protagonista, das aflições que ele carrega, das frustrações e do ódio que ele tem da própria história de mérito não creditado. E o gosto que o filme deixa é uma recompensa gratificante pela ânsia de justiça que se ergueu perante o público com a possibilidade de correção histórica ao protagonista injustiçado. A verdade não aceita ficar calada, e o filme faz valer cada minuto de silêncio antes de seu grito final.


Vale Ver !





Nenhum comentário