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Os doces enganos de 'A Caverna' | 2020

NOTA 7.5

Arroz e feijão com um tempero diferenciado

Por Vinícius Martins @cinemarcante


É justo começar a falar de 'A Caverna' já deixando bem claro que não estamos diante de nenhuma obra-prima. Muito do que ele apresenta, desde seu conceito primário até os detalhes de sua concepção, já foi visto alguma vez no cinema e/ou nas séries de TV sci-fi entre os anos 70 e 2000. No entanto, como bem sabemos, um filme não precisa ser uma obra-prima para ser bom - e 'A Caverna' é exatamente um caso desses: um filme bom que, apesar de mediano, merece a notoriedade que lhe cerca atualmente. Como seu lançamento na Netflix está sendo tão comentado (mesmo sendo um longa-metragem de 2017), é importante deixar registrado ao grande público que este não é um remake do filme homônimo de 2005 (que também está disponível na plataforma), então não os confunda e nem espere relações entre eles; os dois compartilham apenas o título em português e o fato de se passarem, em seu maior tempo, dentro de uma caverna. Enquanto o filme de quinze anos atrás se chama originalmente 'The Cave', o filme que tratamos agora se chama 'Time Trap', que seria algo como 'Cilada do Tempo' (em uma tradução literal), que é um título que mais se aproximaria da real ideia que o filme aborda.





O mais legal na experiência de assistir a 'A Caverna' é o fato de o roteiro permitir que o público consiga antever suas reviravoltas e, logo em seguida, mostrar que aquilo que acreditávamos e dávamos como certo estava, na verdade, totalmente errado - e que o buraco é mais embaixo, com o perdão do trocadilho. Enquanto o longa de 2005 focava no terror da claustrofobia com criaturas monstruosas na espreita, o filme de 2017 retrata as aflições do confinamento em um ambiente hostil e terrivelmente incerto, onde o tempo pode ser um aliado ou o maior inimigo. O filme parece, a princípio, querer se vender como uma jornada de resgate e desencontros, mas essa ideia logo é abandonada e o filme se encaminha, discretamente, para algo muito maior. Enquanto nos preocupamos com os dias passando e em como justificaríamos a absurda passagem de tempo incomum que ocorre na caverna (aos pais dos jovens, no caso, que presume-se estarem desesperados há tanto tempo sem notícias deles), o próprio filme se desconstrói e nos catapulta para um sentimento de auto-luto interessante, onde vemos nossa própria vida ser enterrada junto com a dos integrantes da equipe de alunos que adentra a caverna.

A mitologia da fonte da juventude, que é o argumento por trás da anomalia temporal, é bem explorada e inclusive ressignificada dentro do contexto que o filme propõe. A direção de Mark Dennis e Ben Foster (que não é o ator de 'A Qualquer Custo' e 'Alpha Dog') é muito criativa nesse aspecto, muito embora a construção cenográfica e algumas escolhas curiosas da fotografia lembrem, em alguns momentos, a série 'O Mundo Perdido', que ocupava a grade regular das noites da Band muito tempo atrás. O ar de fantasia mesclada à história mundial é bem presente, e isso dá ao resultado final um toque de graça que é satisfatório e até feliz, mesmo com as perdas e percalços que a trama coloca pontualmente. Pode-se questionar a necessidade de transformar o confinamento, que já é complicado na circunstância que se dá, em uma batalha pela sobrevivência entre o grupo que acompanhamos e outros grupos que aparecem na caverna, mas é melhor ignorar algumas conveniências do roteiro e aproveitar o passeio que o filme proporciona.

E é assim que 'A Caverna' se destaca no meio do catálogo do N vermelhinho: um filme que parece que vai para um lado mas vai para outro e ainda ri da cara do público dizendo "pensou que era só aquilo?", enquanto tenta pregar mais uma pegadinha sobre a grande pegadinha que ele já é. Firmando a si mesmo como um mix de várias coisas absurdas e legais, o filme poderia muito bem ser uma sessão da madrugada dessas que passam na TV aberta: é prático, mastigadinho e conclusivo. Não há muito para pensar sobre ele após o seu fim, mas fica o gostinho bom de uma história redondinha que cumpre seu propósito e ainda consegue surpreender dentro do festival de clichês que apresenta.


Vale Ver !


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