Dica do Papo : 'A Hora da Estrela' | 1986
Por Rogério Machado
Poucas vezes uma obra baseada em um livro no Brasil foi tão festejada quando transposta para as telas. 'A Hora da Estrela', de Clarice Lispector, é um desses raros exemplos dentro de um seleto grupo de produções cinematográficas, tendo como base a obra da autora, a receber louros tanto por parte da crÃtica como do público. O livro, lançado em 1977, também é um dos trabalhos de maior projeção desse grande Ãcone da nossa literatura, fator esse que tornava a versão para o cinema um enorme desafio.
A obra conta a história de Macabéa (Marcelia Cartaxo), personagem-protagonista, de nome que faz alusão irônica aos sete macabeus, personagens bÃblicos. Imigrante nordestina semianalfabeta, Macabéa trabalha como datilógrafa numa pequena firma e vive numa pensão miserável onde divide o quarto com mais três moças. Começa um desajeitado namoro com OlÃmpico (José Dumont), também nordestino, mas é passada para trás por Glória (Tamara Taxman), a esperta colega de trabalho. Sem perspectivas, Macabéa procura uma cartomante (Fernanda Montenegro), que prevê seu encontro com um gringo rico e bonito.
'A Hora da Estrela' é uma ode à inocência. A narrativa explora bastante esse lado da personagem, através do talento de Cartaxo, pela inabilidade com as palavras e o medo de lidar com elas (assim como confessa Macabéa em certa altura do filme), além de ostentar a virgindade e a insegurança em tratar com as pessoas, principalmente as do sexo oposto. Os diálogos entre Macabéa e OlÃmpico (vale ressaltar que são tão ingênuos quanto engraçados) denotam bem a simplicidade e a ignorância dessa mulher sem traquejo e maldade, tal como uma criança no inÃcio da vida: a descoberta e o autoconhecimento é a grande mensagem que Macabéa deixa para o público.
O processo de transformação de Macabéa é sutil, ela pergunta muito, mas também ouve e vê tudo ao seu redor. Se decepciona, escuta desaforos, mas nada disso tira a mulher de cena, pelo contrário, sua inocência aqui funciona como um catalizador de dores. Ela as sente (reclama sempre com Glória e pede aspirinas), mas não tem consciência de onde vem essa dor.
A hora da estrela da personagem é justamente quando ela ouve da cartomante que sua vida vinha sendo sofrida desde muito tempo, mas que isso estava prestes a mudar: a virada da personagem pode ser também a perda da inocência e sua capa de proteção, mas é certamente o que a fará crescer. 'A Hora da Estrela' foi o grande trabalho da carreira de Suzana Amaral, cineasta que faleceu esse ano inclusive, aos 88 anos. Um filme que vale ser visto e revisto, um dos mais representativos trabalhos realizados na cinematografia brasileira. O longa está disponÃvel em sua versão restaurada , inteirinho, no You Tube. Taà logo abaixo... é só dar o play.
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