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Em 'Narciso em Férias', ao falar sobre si, Caetano Veloso acaba falando sobre o Brasil | 2020

NOTA 7.0

Por Eduardo Machado  @históriadecinema

Gostar ou não de Caetano Veloso é uma opção. Gostando ou não dele, no entanto, você seria capaz de recusar uma conversa de pouco mais de uma hora com esse homem? Para mim, a proposta de “Narciso em Férias”, filme selecionado para o Festival de  Veneza e disponível no Globoplay, parece irrecusável. Uma conversa com Caetano Veloso sobre um assunto sério, especificamente o período em que ficou preso, durante a ditadura militar.


Um fundo de concreto, uma cadeira, Caetano e um vazio em um espaço bem amplo, mas que os cineastas Renato Terra e Ricardo Calil, volta e meia, escondem do espectador. O jogo de câmera é interessante, mas o dono do filme não é o documentarista. É Caetano Veloso a estrela. Ele fala sobre o que quer, o quanto quer e poucas vezes é interrompido. Conhecemos um pouco de suas visões políticas, bem como os subterfúgios por ele utilizados para sobreviver àqueles momentos de terror. Das celas sem espelho ao cabelo cortado, Caetano relata seus momentos de perda de identidade, sua dificuldade em reconhecer-se, sua alma que ele sentia esvair-se. São cenas de pura intimidade, com depoimentos raríssimos e muito tocantes de Caetano sobre um período que, por razões óbvias, ele não gosta de lembrar.

Tudo o que Caetano viveu naqueles dias de confinamento contrasta com o espaço concedido a ele nesse documentário, o qual, embora pouco musical, permite que ele toque violão, cante “Hey Jude” e lembre das outras canções que cantou na noite anterior à prisão. Caetano também permanece livre e à vontade para, com poucas interrupções, ler a transcrição de seu esdrúxulo interrogatório, cujo conteúdo, de tão absurdo, até o fez rir.

Assim, sem precisar ser explícito, Caetano, ao relatar as suas experiências, além de falar sobre si, consegue dizer muito sobre o Brasil. Sobre um país que finge que a Ditadura não existiu, mas que tem nada menos do que as palavras de Caetano Veloso como memória viva. Difícil imaginar o Brasil menos cínico. Difícil imaginar o Brasil sem Caetano.


Vale Ver !



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