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Disney + no Brasil: O anacronismo das versões de 'Mulan' | 2020

Por Vinícius Martins @cinemarcante

🚨CONTÉM SPOILERS 

Mulan sempre foi uma personagem além do seu tempo, presa em uma conduta social de submissão feminina. Ela ousa, arrisca, e se impõe para salvar a família e, como resultado adicional, acaba salvando o reino da China inteiro de um tirano vingativo. A jornada de Mulan se assemelha bastante nas duas versões apresentadas pela Disney (a animação de 1998 e o filme de 2020), e ambas podem render um longo diálogo sobre a americanização da cultura chinesa quando comparadas à versão original folclórica. Contudo, hoje vamos nos ater aos pontos que mais diferenciam uma versão da outra.


Tendo sido lançado digitalmente em meio ao calor da pandemia (abstendo-se de exibições no cinema, infelizmente), a aguardada versão live-action (cuja crítica você pode ler clicando aqui) protagonizada por Liu Yifei é muito rica em sua composição. Desde o design de produção, passando pela trilha sonora e indo até os figurinos sublimes, o filme se faz como uma bela crônica audiovisual recheada de elementos que surpreendem pelo cuidadoso trabalho com os detalhes. É inserido o fator do Chi, dando ares de superpoderes e/ou divindade a quem possui uma manifestação mais forte deste "dom" espiritual, e se mostrando em Mulan como um indicativo de que ela é diferente e especial. Isso não existia na animação, mas é eficiente e funcional para criar a identidade da versão reimaginada da guerreira chinesa com o bom e velho toque da predestinação.

O filme propõe alterações significativas nos elementos mais cativantes da animação. O grilo, anteriormente um animal literal que "dava sorte", passa a ser um homem atrapalhado com o mesmo nome; e o nome de Mulan também tem uma alteração (de Fa Mulan para Hua Mulan, que é o nome original da personagem na cultura da China). A animação, que é adorada até hoje por uma legião de fãs que cresceram assistindo o filme dirigido por Barry Cook e Tony Bancroft, foi assunto que recheou vários fóruns da internet após o anúncio com a confirmação da ausência de Mushu, o adorável dragãozinho que é a principal fonte de comicidade do filme animado. E de fato, a ausência de Mushu provoca uma mudança drástica no tom da jornada de Mulan; mas não mais do que a ausência das canções do filme anterior, que criavam uma atmosfera de leveza à jornada da heroína. Algumas das melodias são inseridas na composição da trilha sonora, mas apenas como uma referência saudosa em promoção ao fan-service.

Além de Mushu, outra ausência notável dentro do corpo dos personagens é a do capitão Li Shang, que na animação tem uma heterosexualidade bem questionável ao mostrar um nítido interesse em Mulan enquanto ela ainda estava travestida de homem. Talvez, para não entrar nesses méritos, ele tenha sido cortado e outro provável interesse amoroso foi criado para a protagonista (Chen Honghui, interpretado por Yoson An, e que não chega a cortejá-lo de fato). Outra novidade é Xianniang, vivida pela atriz Gong Li, que na animação era "apenas" o pássaro de estimação do grande vilão Bori Khan (aqui interpretado por Jason Scott Lee).

'Mulan' de 2020 é um reflexo da odisseia das mulheres com asas. O filme não consegue fugir de alguns elementos visuais que expressam a imponência do empoderamento feminino de uma maneira já gasta - isto é, dentro da linguagem audiovisual. Cenas com mulheres "encarnando" feras e bestialidades como apresentação do ápice do poder já foram vistas na cultura pop com Jean Grey nos filmes 'X-Men: Apocalipse' e 'X-Men: Fênix Negra', além, é claro, de Daenerys Targaryen no episódio final da série 'Game of Thrones'. Essa manifestação é um sinal dos tempos em que vivemos, onde as mulheres começam a compreender que podem ser livres e fazerem suas próprias vidas - diferentemente das mulheres de poucas gerações anteriores à nossa. Enfim, entre erros e acertos nesse novo longa metragem, vale sempre lembrar que são filmes diferentes, com propostas diferentes e versões/visões diferentes acerca de uma mesma história - mas sempre relevantes para a sociedade em que vivemos. 'Mulan' nos traz a história de uma mulher fora de sua época, com uma postura que, mesmo se passando em um contexto do passado, ainda soa futurista para muitas pessoas.



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