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'First Cow': um conto de amizade e sonho americano que consolida o efeito hipnótico do cinema sobre a busca por um lugar no mundo | 2020

NOTA 8.0

Por Sérgio Ghesti @meuhype 

A diretora Kelly Reichardt mais uma vez treina seu olhar perspicaz e paciente no noroeste do Pacífico, desta vez evocando um modo de vida autenticamente difícil de descrever no início do século XIX. Com uma premissa simples a diretora constrói um interrogatório sobre a fundação norte-americana que lembra seu triunfo anterior, 'Antiga Alegria' (2006). Reichardt tem uma carreira consolidada, pouco conhecida no mainstream mas com estilo próprio de filmar, ela mostra seu talento distinto para descrever os ritmos peculiares da vida cotidiana e a capacidade de capturar a imensa e perturbadora quietude da América rural. O apelo hipnótico e imprevisível vem de como os personagens se encontram através de fracassos mútuos, a natureza desse resultado no contexto de uma sociedade primitiva e indomada tem implicações ricas que gradualmente se infiltram em um filme lento mas nunca chato, quase como uma literatura que não tem pressa em colher o máximo de detalhes da atmosfera e da beleza natural dessa convivência complexa e atemporal. 

Na trama, Cookie Figowitz (John Mangaro) um solitário e calado rapaz, e um cozinheiro habilidoso, viajam para o oeste e se juntam a um grupo de caçadores de peles no Território do Oregon. Embora o rapaz só encontre uma conexão verdadeira com King Lu (Oirion Lee), um imigrante chinês que também busca sua fortuna. Logo os dois colaboram em um negócio de sucesso, embora sua longevidade dependa da participação clandestina de uma vaca leiteira premiada de um proprietário de terras próximo. 

Embora a maior parte de 'First Cow' (ou na tradução literal "Primeira Vaca") se desenvolva em 1820, ela começa com um prólogo dos dias modernos no mesmo local arborizado, onde uma jovem descobre dois esqueletos deitados lado a lado na floresta. Essa imagem tentadora segue uma citação de William Blake - “o pássaro um ninho, a aranha uma teia, a amizade o homem” - estabelecendo o vínculo instintivo que se segue. A partir daí, o filme volta ao passado distante, contando a história de origem desses esqueletos como um filme de lealdade.

Reichardt é uma diretora bastante autoral em suas obras, mesmo se baseando no livro "The Half Life" escrito por Jonathan Raymond, ela trabalha o minimalismo e subverte gêneros, não é um filme que tem pressa ou possui reviravoltas, é focado no homem comum, no cotidiano e na desconstrução do western americano. Quem acompanha sua obra percebe que a diretora gosta de trabalhar a história da civilização e instigar como a sociedade foi evoluindo com o passar do tempo. A relação de 'First Cow' com o capitalismo é uma sacada genial e agrega uma relevância em sua proposta de como tudo foi acontecendo no mundo pelas relações sociais, aqui representado na bonita relação de amizade entre um americano e um chinês, onde ambos buscam crescimento. O poder de ter uma vaca naquela época é o exemplo claro de como o capitalismo foi surgindo na sociedade em uma história para se contemplar, uma experiência imersiva e sem grandes acontecimentos em uma sociedade em construção. O cinema é também a arte de contar uma boa história sem necessidade de uma grande reviravolta ou um clímax, seu papel aqui é sentimental e puro.


Vale Ver !




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