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A aceitação agridoce ao luto em 'A Caminho da Lua' | 2020

NOTA 9.0

Um conto folclórico moderno e necessário.

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Em seus primeiros minutos de exibição, o longa-metragem animado 'A Caminho da Lua' - produzido pela Pearl Studio e distribuído pela Netflix - já apresenta semelhanças notáveis com várias animações da Disney e da DreamWorks, parecendo ser uma fusão entre a qualidade musical da primeira com a inclinação ao fantástico da segunda. Junte músicas que demoram a sair da cabeça e enredos com um descompromisso simpático à realidade é voilá!, está feito o novo filme animado da Netflix, que deve configurar a próxima edição do Oscar nas categorias de Melhor Animação e Melhor Canção Original. O estilo da animação e as escolhas narrativas são de uma riqueza enorme, e a semelhança visual com alguns filmes da DreamWorks Animation não é mera coincidência; a Pearl Studio era um braço oriental da DreamWorks 2012 (tendo co-produzido as animações ao cinema entre 2014 e 2016), e seu primeiro lançamento 100% original foi 'Abominável' em 2019, ainda sob o selo DreamWorks. Agora independente, lança em parceria com a gigante vermelhinha do streaming mais uma crônica audiovisual que é mais do que só um apelo ao mercado chinês, mas um tributo cultural às fábulas e religiões provincianas.


A musicalidade é o carro-chefe do filme. Seja em canções carismáticas (e até mesmo levemente arrogantes) ou na trilha sonora que cresce de maneira cativante e empolgante, a evolução da protagonista se faz vívida e crível em uma jornada de amadurecimento e superação que é mais justa ao conceito de "deixar ir" do que a oscarizada (e superestimada) 'Let It Go', do também oscarizado (e igualmente superestimado)
'Frozen: Uma Aventura Congelante', de 2013. A mensagem aqui é uma aula de aceitação ao luto e ao convívio com perdas que, infelizmente, são comuns à vida - mas que também moldam o caráter das pessoas e as faz crescer, com um lembrete muito sensível de que a vida precisa continuar. Isso se dá tanto na trajetória de Fei Fei (a garota sonhadora originalmente dublada por Cathy Ang) como na da divindade Chang' e (cuja voz é de Phillipa Soo, do musical 'Hamilton'). Ambas as figuras femininas, que são a menina órfã e a mulher amante, precisam conviver com suas dores e saudades para aceitar que cada fim é uma nova oportunidade e uma chance de recomeço.

O filme é belíssimo na condução de sua fotografia, em especial na atenção dada à iluminação das cenas - principalmente quando Fei Fei e o novo irmão chegam à Lua. Cores vibrantes, vivas e brilhantes saltam aos olhos e criam uma atmosfera (sem forçar trocadilho) de surrealismo palpável. No entanto, não fica bem consolidado se o segundo ato foi literal ou somente um devaneio das crianças, uma vez que tudo, a princípio, se estabelece com um fundamento "científico" e decide migrar para a fantasia folclórica logo após a decolagem do foguete de Fei-Fei, com uma alternância abrupta de gênero que não chega a se justificar posteriormente. Pode ter sido tanto algo realmente vivenciado pelas crianças como pode também ter sido alegoricamente elaborado em suas imaginações, principalmente levando em conta o fato de que a única evidência da passagem de ambos na Lua se dissolve no caminho de volta. Não que haja necessidade de se justificar nos seus absurdos (afinal, estamos falando de um filme infantil e fantasias fazem parte), mas é importante não subestimar a inteligência dos pequenos e entregar uma explicação minimamente plausível para alguns eventos vistos em cena.

Mesmo apesar disso, 'A Caminho da Lua' é bem melhor do que vários filmes recentes da Disney (cof-cof Moana cof-cof Frozen cof-cof) - não necessariamente pela sua execução, mas certamente pela qualidade da mensagem passada. Aqui não há a perversão do bem e do mal com uma inversão de valores como em 'Moana', de 2017, e nem um pseudo-altruísmo em contraponto ao amor clássico como em 'Frozen'. A mensagem aqui quebra a prepotência da subversão e entrega um necessário memorando às crianças que perderam alguém querido durante a pandemia, dizendo que quem se foi ainda vive em nós e a vida ainda pode ser boa com aquilo que restou e com as pessoas que ainda estão conosco, sejam elas de velhas ou novas relações.

PS:
1: Há uma bela reverência ao brilhante 'Viagem à Lua' (1902), de George Méliès.
2: A cena da chegada à Lua tem uma tomada idêntica à cena de perseguição lunar em 'Ad Astra: Rumo às Estrelas', de 2019, estrelado por Brad Pitt e dirigido por James Gray.
3: A interação com os bolinhos da lua que falam e andam parece ter sido tirada de 'Tá Chovendo Hambúrguer 2', de 2013, onde a comida ganha vida e possui carinhas simpáticas.


Super Vale Ver !



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