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'O Que Ficou Para Trás' usa o terror como alegoria para uma poderosa crítica social | 2020

NOTA 8.0

Por Karina Massud @cinemassud 

Seguindo a escola do diretor Jordan Peele ( de “Corra” e “Nós”), que em seus filmes une terror à crítica social para colocar o dedo na ferida da sociedade, o ótimo longa do diretor estreante Remi Weekes, “O Que Ficou Para Trás” surpreende e agrada muito aos fãs do gênero com a mistura inusitada e super atual de refugiados + misticismo africano + horror sobrenatural.

Bol e Rial são um casal resgatado de um naufrágio de refugiados vindos do Sudão rumo à Inglaterra, e apesar da dor imensurável da perda da filha pequena eles estão decididos a começar vida nova e feliz depois de saírem da detenção e irem pra casa cedida pelo governo inglês. O casal quer pertencer à casa mas isso não parece ser tão simples assim, pois o “lar, doce lar” não é exatamente deles, ele é habitado pelo espírito maligno “apeth”, um tipo de bruxo da noite que materializa seus piores pesadelos, os enlouquecendo com vozes, rangidos e aparições assustadoras. O local parece ter vida própria, o casal vê a filha morta em toda parte, as paredes  se despedaçam, buracos surgem do nada junto das memórias da travessia na balsa, com escuridão e ondas letais. Realidade e fantasmas se confundem e parece ser impossível sair desse pesadelo.

A vida nova é bem dura: apesar de livres é como se os protagonistas estivessem numa “condicional” seguindo regras espartanas: não podem trabalhar, ter animal de estimação na casa pobrinha ou trazer amigos, e têm que viver com a miséria de 74 libras dada pelo governo. Eles têm de aceitar e dar graças a Deus pelas migalhas oferecidas, fato do qual são lembrados a toda hora. Além disso são hostilizados pelos moradores locais que têm preconceito e medo de perder seus empregos para eles. A atmosfera é tensa, e o terror é garantido tanto pelo dilema psicológico quanto pelos ótimos jump scares bem colocados ao longo de toda trama. O horror na verdade está mais na opressão que sofrem e nas cicatrizes que carregam os refugiados do que na casa mal assombrada.

A crise dos refugiados parece estar longe de acabar enquanto existirem guerras civis, fome, doença e miséria em países que “expulsam” seus habitantes apenas com a roupa do corpo, muito medo e coragem para se aventurar em terras estrangeiras nem sempre hospitaleiras. A trama denuncia essa chaga da sociedade, desde o trajeto desumano em balsas lotadas de gente que muitas vezes morre afogada sem chegar ao destino, até o choque de culturas. Os protagonistas são do Sudão do Sul mas poderiam ser da Somália ou do Congo, pessoas fadadas ao sofrimento e desprezo onde quer que estejam.

“O Que Ficou Para Trás” (“His House” no original) é um filme autêntico e perturbador, tanto no visual quanto no conteúdo, com uma reviravolta poderosa e surpreendente para os menos atentos. Filme merecedor do sucesso de público e de crítica que tem feito.


Vale Ver !




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