A ciência do isolamento em 'O Céu da Meia-Noite' | 2020
NOTA 7.5
A metafísica da solidão
Por Vinícius Martins @cinemarcante
Sendo um dos últimos lançamentos do conturbado ano de 2020, 'O Céu da Meia-Noite' chega com um conflitante pessimismo otimista ao streaming Netflix. A distopia esperançosa, que é dirigida e protagonizada por George Clooney, apresenta um cenário pós-apocalíptico dividido em dois núcleos: um espacial, com uma equipe que retorna de uma expedição a uma lua de Júpiter com condições habitáveis à vida terrestre (um elemento mais fantasioso do que científico), e outro núcleo, terrestre, que é o que Clooney está estrelando. A sinopse, extremamente objetiva, diz que o filme acompanha Augustine (Clooney), um solitário cientista no Ártico que tenta impedir que Sully (Felicity Jones) e seus colegas astronautas voltem para casa em meio a uma misteriosa catástrofe mundial. O filme é basicamente isso, sem grandes ambições na construção das camadas ou inovações que o tornem um destaque entre os filmes sci-fi dos últimos dez anos. Ainda assim, é justo destacar que é um bom filme.
Depois de experimentos duvidosos em sua filmografia (cof-cof 'Caçadores de Obras Primas' cof-cof), pode-se dizer que este é facilmente o melhor filme de George Clooney desde 'Boa noite e boa sorte', de 2005. É inevitável o remeter da memória a 'Gravidade', de 2013, também estrelado por Clooney. As tomadas externas no espaço aqui não possuem o aspecto contemplativo do filme de Alfonso Cuarón, mas seguem uma linha de exploração de risco similar. A urgência que se apresenta é concebida aos poucos, e a tentativa de reestabelecer a comunicação entre a espaçonave e a Terra é o que move a cena mais tensa (e mais rica em efeitos visuais) da produção. O que torna o filme humano, no sentido mais íntimo do termo, é o vislumbre daquilo que não será vivido mais; seja em hologramas que reconstroem memórias, fantasmas do passado e planos que foram varridos com os ventos da desolação atmosférica da Terra. O lamentar dos erros, em nível individual e coletivo em escala mundial, são transmitidos com ares de melancolia sem muito espaço para lamentações.
Nesse âmbito, o filme se aproxima mais de um estudo comportamental do que com uma ficção científica, dando mais lugar aos dramas pessoais do que aos fatores da física acadêmica. Os efeitos do isolamento (seja ele individual, com uma criança, ou ainda em grupo, no vazio do espaço) são analisados com uma sensibilidade estética, se revelando no ótimo trabalho de design de produção e na excelente trilha sonora de Alexandre Desplat. A adaptação do livro de Lily Brooks-Dalton se constrói como uma jornada de redenção entre as escolhas do passado e as possibilidades de futuro, recheado de alguns flashbacks que não se conectam efetivamente com a trama de modo a surtirem uma influência esclarecida com os acontecimentos do tempo da história principal. Por outro lado, o filme não conclui a jornada de seus núcleos, deixando propositalmente no ar (com o perdão do trocadilho) o destino de ambas as tramas.
O filme não está imune a algumas falhas, tanto em seu roteiro quanto na concepção do mesmo. O mais incômodo, visualmente falando, está presente em algumas cenas onde é nítido o uso do croma-key, que extrapola-se com a adição do CGI na pós-produção. As tomadas filmadas em estúdio se revelam como luzes no breu noturno com a fotografia de Martin Ruhe que, apesar de ter algumas ótimas escolhas em trechos individuais, peca na angulação de diversas cenas por não elaborar tanto o funcionamento com os cenários virtuais. O fundo verde é gritante, e isso acaba por tirar o público com o olhar mais cirúrgico da imersão que o filme potencialmente provoca. Um outro filme da Netflix que também sofre com esse mesmo problema é 'Aniquilação', estrelado por Natalie Portman, e esse detalhe condena o filme todo a uma esfera de artificialidade.
No mais, o filme é um entretenimento casual que pode comover e até mesmo arrancar lágrimas de quem o assistir de peito aberto, disponível a receber o filme como um projeto intimista e não como um blockbuster megalomaníaco de fim do mundo (como a mulher duas fileiras atrás de mim na sessão da pré estreia, que terminou o filme debulhada em um choro fungado). 'O Céu da Meia-Noite' é um bom filme pra fechar o ano de maneira reflexiva, e é também uma alternativa interessante para quem busca fugir dos filmes de temática natalina. Apesar de suas falhas, é reconhecível que este seja mais um acerto da Netflix. Então desapegue-se da astronomia e aproveite a metafísica da solidão que o filme promove.
Vale Ver !
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