O exercÃcio da flexibilização de gêneros é executado com êxito. Spike Lee comprova sua versatilidade ao mostrar desenvoltura em conduzir habilmente as lentes não só nas periferias de Nova Iorque como também no calor de uma guerra em que o enfrentamento é essencialmente humano. Apesar da competência, é preciso dizer que o registro da estética militar não vai além de sequências agradáveis. Esse fato não chega a ser comprometedor, já que o objetivo central é a denúncia da segregação racial mais uma vez manifestada sob a bandeira norte-americana. Dessa vez, a assimetria de tratamento reside no menor valor dado aos negros, seja na proporção do efetivo militar, seja na preferência da seleção para missões militares de maior risco.
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10 - Jóias Brutas | Josh Safdie, Ben Safdie
A atmosfera é tensa e claustrofóbica, muito devido à trilha sonora techno que embala essa jornada frenética . Com decisões arriscadas, tudo vai dando errado e Howard vai caindo num abismo (e nós vamos juntos), e parece difÃcil retornar. Ele anda incessantemente pelas ruas de Manhatan falando/gritando sem parar ao celular, e a cada três palavras duas são f**k... focar nessas sequências cansa e até dá tontura. As metáforas visuais são ótimas e o visual lindo - a câmera passeia do exame do cólon de Howard na cena de abertura ao centro da opala mÃstica ainda na caverna onde foi descoberta; algo como uma viagem psicodélica.
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11 - Babenco-Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou | Bárbara Paz
Eu já vivi minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela”, disse o cineasta a Bárbara Paz, ao perceber que não lhe restava muito tempo de vida. Bárbara então se incumbiu da missão e realizou o último desejo do companheiro: ser protagonista de sua própria morte. Nesta imersão amorosa na vida do cineasta, ele se desnuda, consciente, em situações Ãntimas e dolorosas. Revela medos e ansiedades, mas também memórias, reflexões e fabulações, num confronto entre vigor intelectual e fragilidade fÃsica que marcou sua vida.
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12 - Jojo Rabbit | Taika Waititi
Por mais espinhoso que seja o tema Nazismo/Holocausto, ele sempre rende roteiros ótimos, se bem trabalhados. O diretor Taika Waititi (“O que Fazemos nas Sombras” e “Thor: Ragnarok”) conseguiu no filme “Jojo Rabbit” um feito delicado e difÃcil que é satirizar o nazismo sem cair no mau gosto. A história, que é contada sob o ponto de vista do protagonista mirim, é adaptada do best-seller de 2004 de Christine Leunes, “Caging Skies” (céus que enjaulam ou céus aprisionantes).
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13 - Transtorno Explosivo |Nora Fingscheidt
Ano prestigiado festival de Berlim em 2019, um filme local chamou a atenção. Dirigido por Nora Fingscheidt, estreante em longas de ficção, “Transtorno Explosivo” saiu do festival com dois Ursos de Prata. No “European Film Awards” (Prêmio do Cinema Europeu), houve quem defendesse que o prêmio de melhor atriz fosse para Helena Zengel, de apenas 11 anos e protagonista do filme. Olivia Colman venceu por “A Favorita”, mas não seria injusta a vitória de Helena, pois, em “Transtorno Explosivo”, ouso dizer que estamos diante de uma das atuações infantis mais impressionantes já vistas.
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14 - O Farol | Robert Eggers
As escolhas não somente narrativas como também cênicas, o formato de tela (rodado em 35mm em 1.19:1, ou em português claro, o quase quadrado), e ainda em preto e branco, já entregam nos primeiros minutos que não teremos o trivial. Eggers já provoca de cara o espectador com a aparência rude de seus personagens e hábitos nada educados. O clima não é propriamente de um suspense, mas ficamos com a nÃtida impressão, pelas visões de Winslow , que algo de sobrenatural pode acontecer a qualquer momento. Esse iminente clÃmax auxilia por sua vez no crescimento das nossas expectativas, não somente em relação à Ãndole desses homens, como suas reais intenções um para com o outro.
15 - Cicatrizes | Miroslav Terzic
Exemplo notável de como trazer criativamente para o particular um sintoma coletivo. Em "Cicatrizes", a transposição é ainda mais poderosa por abordar uma grave denúncia de nÃvel nacional. Ana, moradora da Sérvia atual, é uma mãe que matura a dor da perda do filho tido como natimorto. O instinto materno, mesmo 18 anos após a fatalidade, reluta em assimilar o golpe e persiste na intuição de que os fatos não foram devidamente explicados. Partindo da busca por evidências imediatas como o corpo da criança, a realidade ganha contornos de instabilidade quando Ana descobre alterações nos registros de nascimento do filho.
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16 - Mulher Maravilha - 1984 | Patty Jenkins
O que fica, com o término dos créditos customizados, é a sensação de que ‘Mulher-Maravilha 1984’ era o filme que 2020 precisava. Pode-se dizer que o longa é uma metalinguagem em prol da verdade na era das fake news, com uma mensagem de aceitação da inevitabilidade da vida a qual todos tentamos fugir cotidianamente: a morte. E sim, ‘Mulher-Maravilha 1984’ é uma ópera à vida, à s cores e a todo o resto de positividades e alegrias que se pode adquirir em nossa breve passagem pelo mundo. A trilha de Hans Zimmer transpõe divinamente os conflitos existentes nos dois lados da moeda, e se estabelece com o romance solene de épocas diferentes que se enamoram por possuÃrem os mesmos anseios, dilemas e esperanças. 1984 se confunde com 2020, já que os efeitos da ambição individualista humana em escala global se fazem presentes no ano fictÃcio do universo cinematográfico da DC e no ano real do lançamento do filme
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17 - O Jovem Ahmed | Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Acompanhado da inconfundÃvel certeza do estar certo, o adolescente Ahmed ensaia os primeiros passos no caminho da religião. Diferentemente da postura passiva de doutrinações que recaem sobre o indivÃduo em processos mecânicos, tais como a transmissão familiar de crenças ou o simples aculturamento resultante do contágio pelo meio, o personagem central do longa é quem representa a entidade geradora de interesse. O espaço para a ponderação é reduzido pelo enorme apetite em se aprofundar no islamismo e ser um fiel de conduta irrepreensÃvel. Entretanto, o possÃvel arco poético que liga o interesse à paixão religiosa é estendido ao campo da cegueira dogmática, introduzindo Ahmed ao radicalismo.
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18 - O Homem InvisÃvel | Leigh Whannell
O filme é uma adaptação contemporânea do romance homônimo de H. G. Wells e é uma reinicialização da série de filmes do personagem 'O Homem InvisÃvel' - tal personagem já ganhou as telas em diversas adaptações desde a década de 30. Essa nova roupagem faz parte de um projeto que infelizmente não foi adiante: o estúdio Universal em 2017 iniciou uma franquia intitulada Dark Universe, onde o estúdio faria novas adaptações dos seus famosos monstros em versões modernas , tudo desandou já no ambicioso projeto de 'A Múmia' com Tom Cruise, que não conseguiu o retorno financeiro esperado e não empolgou o público como deveria
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Por meio de planos sequências deslumbrantes, os horrores da guerra são recontados sem pudores. Os cabos percorrem longos corredores de trincheiras e ambientes degradados com o respaldo de um design de produção incrÃvel. A câmera que acompanha a dupla de forma persistente é hábil em valorizar a fotografia, também em alto nÃvel, e dar volume à atmosfera bélica. Destaco os planos iniciais onde os cabos percorrem os campos de guerra já bombardeados e o trabalho visual primoroso da fuga noturna de Schofield em meio a uma cidade em chamas. O resultado não pode ser outro que não uma experiência imersiva numa perspectiva quase que pessoal sobre o que é experienciar uma guerra.
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20 - Borat : Fita de Cinema Seguinte | Jason Woliner
No longa de 2020, o Borat de Sacha Baron Cohen mantém a metralhadora de zoeira ligada para todas direções, mas, aqui, não dá para negar que a América conservadora é o principal alvo. Ele vai com o pé na porta mesmo. Sem qualquer vergonha ou receio, acaba, não por sua exclusiva culpa, produzindo cenas de revirar o estômago, sobretudo aquela que envolve certo ex-prefeito de Nova York.
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21 - Belle Époque | Nicolas Bedos
O roteiro, também de Bedos, nem é o trunfo infalÃvel do filme, como acontece no seu trabalho anterior, mas sim a capacidade de desenvolver uma ideia com o brilhantismo de grandes obras. 'La Belle Époque' bebe de referências do cinema mundial e ao mesmo tempo é uma bela homenagem à s produções audiovisuais, com a fábrica de sonho se desenvolvendo bem ali na nossa frente, assim como a troca de cenários, a entrada e saÃda de figuração, a inserção da luz e da trilha sonora na feitura de uma produção. (Leia mais...)
22 - Estou Pensando em Acabar com Tudo | Charlie Kauffman
Charlie Kauffman, sempre enaltecido pelo roteiro de filmes como “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (2004), “Quero ser John Malkovich” (1999) e “Adaptação” (2003), jamais obteve como diretor o mesmo sucesso estrondoso que já conseguiu como roteirista, função na qual já venceu um Óscar e foi indicado a outros dois. Os filmes dirigidos por ele, no entanto, por contarem com um autor dotado de tamanha inventividade, são muito melhores do que a média e “Estou Pensando em Acabar com Tudo”, o mais recente longa-metragem de sua autoria, representa um valioso acréscimo ao catálogo da Netflix.
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23 - A Despedida | Lulu Wang
Ao contrário do que acontece em muitos filmes sobre reencontros familiares, aqui não há contas a serem ajustadas ou mágoas passadas. "A Despedida" é leve, apesar do tema “morte” ser a espinha da trama, as diferenças culturais são muito bem pontuadas e mostram que a forma dos orientais encararem o fim é mais natural e menos mórbida comparada à forma como nós ocidentais o tratamos. Esse adeus a Nai Nai é cheio de vida, alegria e risadas, celebrando os laços familiares que se tornam mais fortes frente ao fim de uma (bela) jornada.
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24 - Soul: Uma Aventura com Alma |Pete Docter
O tÃtulo do filme se apropria com inteligência da dualidade do termo "soul" em referência direta e literal a "alma" e simultaneamente ao gênero musical afluente do jazz. Com alguns traços experimentais, ele se desenvolve de forma bastante conceitual desde a sua vinheta de abertura, passando pela introdução (que apresenta Joe em vida) e se consolidando com os contornos minimalistas de sua queda da esteira Além-Vida, que o levaria para o lugar pós-morte, rumo ao abismo que resultaria em sua chegada à s origens.
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25 - Os 7 de Chicago | Aaron Sorkin
Filmes sobre julgamentos são obras de manipulação, tanto em sua trama quanto na percepção da mesma pelo público. 'Os 7 de Chicago', no entanto, é um filme mais inclinado a ser uma obra de bastidores - tal qual a 'The Post: A Guerra Secreta', lançado no Brasil em 2018, que também aborda polêmicas e mentiras em torno da polÃtica que levou à guerra do Vietnã. A manipulação aqui é explÃcita, e por conta disso acaba dando lugar ao vislumbre dos horrores de um sistema corrupto e destemperado. A produção é uma releitura dos eventos que movimentaram Chicago no final dos anos 60 e, de maneira muito bem orquestrada pelo diretor e roteirista Aaron Sorkin, consegue compor com um equilÃbrio eficiente a compreensão entre a enxurrada de motivações orgulhosas e meios justificáveis por seus fins.
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Colaboraram:
Eduardo Machado
Karina Massud
Rafael Yonamine
Rogério Machado
Sérgio Ghesti
VinÃcius Martins
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