A banalização da cultura do estupro em 'Bela Vingança' | 2021
NOTA 9.0
Por Rogério Machado
O patriarcado e seu lado nefasto vez por outra é retratado no audiovisual, mas ouso dizer que poucas vezes algo tão inventivo e ácido fora apresentado ao público. 'Bela Vingança' (por sinal um título nacional bem aquém da genialidade da obra) tem chamado a atenção da crítica e acabou de ser indicado à prêmios de destaque no Globo de Ouro 2021 (entre eles Melhor Direção e Filme) não por acaso, pois além de ir na contramão do trivial, discute um tema espinhoso unindo num só filme gêneros aparentemente paradoxais como humor negro, terror, comédia romântica e drama.
A trama acompanha a vida misteriosa de Cassie (Carey Mulligan), uma mulher com muitos traumas do passado, quando ainda era estudante de medicina e sonhava ter excelência na profissão. Depois de ter abandonado a faculdade, ela passa seus dias trabalhando no café de uma amiga e nas noites livres ela frequenta bares, sempre fingindo estar bêbada. E assim, quando homens mal intencionados se aproximam dela com a desculpa de que vão ajudá-la, Cassie entra em ação e se vinga dos abusadores que ousaram cruzar seu caminho.
É inevitável o sentimento controverso gerado na audiência. Afinal, qual seria o motivo de tamanha perversidade? Simplesmente por revidar um comportamento tóxico? Mais à frente vamos descobrir que existe algo de muito mais sério do que contra-atacar a masculinidade tóxica e a cultura do estupro; e o pulo do gato no roteiro de Emerald Fennell é apostar na ironia para promover o impacto necessário e trazer reflexão. O drama atravessado por Cassie demanda em tela somente o tempo necessário para que o público encare a empreitada camikaze junto com ela.
No meio da viagem de vingança, vamos conhecendo as facetas de Cassie, entre elas a vontade de se apaixonar ; e é aí que entra em cena seu par romântico, Ryan (Bo Burnham), em sequências mais leves que propositalmente quebram o ritmo e desarmam o expectador para o que viria a seguir. O êxito da produção conjuga a engenhosidade na direção - também a cargo de Fennell - com a versatilidade de uma atriz como Mulligan.
A ousadia no formato confere a 'Promising Young Woman' (no original) o título de uma das mais gratas surpresas nessa temporada de premiações. Tem raro frescor em atravessar a temática nas ramificações do machismo e denuncia com inteligência a banalização da cultura do abuso, que favorece o homem e demoniza a mulher que é abusada. A arte mais uma vez contribui para cutucar fundo a ferida.
Super Vale Ver !
Deixe seu Comentário: