'Relatos do Mundo' : um belo western como não víamos há muito tempo | 2021
NOTA 8.5
Por Rogério Machado
Creio não ser uma viagem da minha cabeça começar esse texto trazendo à memória os recentes ataques à democracia no Capitólio, quando alguns representantes da intolerância e revestidos de um autoritarismo inconsequente clamavam por resgatar o conhecido patriotismo fanático, que não dá abertura para negros, latinos, ou qualquer um que não se reconheça entre os supremacistas brancos daquelas terras. Essa referência me ocorreu ainda nos primeiros minutos de 'Relatos do Mundo,' quando o Capitão Jefferson, entre as suas leituras de notícias, narrou rumores que vinham do norte sobre uma possível abolição da escravidão nos Estados Unidos. A notícia reverbera negativamente através de gritos de repúdio. É notado então, nos acontecimentos de 2021, ecos do século passado tão bem retratados no western estrelado por Tom Hanks.
Dirigido pelo cineasta Paul Greengrass, com que Hanks já havia trabalhado em 'Capitão Phillips' (2013), o faroeste, através da jornada solitária de duas pessoas tão diferentes, nos diz sobre a busca do seu lugar no mundo. Mesmo em meio à guerra, a falta de fé ou a violência, era preciso que os cavalos continuassem selados e a marcha seguisse seu caminho. Seria inevitável uma amizade não surgir em meio àquela vastidão de vazio, porém Greengrass (felizmente) não se rende às receitas do gênero e mantém em tom baixo qualquer ação que escancare a afeição entre essa improvável dupla. Pelo que veremos no desfecho, essa escolha se mostra acertada.
'Relatos do Mundo' é um faroeste como há muito não víamos: tem todos os ingredientes do gênero como perseguições e tiroteios, cenários desérticos e personagens mal encarados que se colocam no caminho da boa e velha jornada do herói. Alguns bons exemplos já passaram pelo público nos últimos anos, mas nada comparado à grandeza do filme de Greengrass. Aqui, pelas mãos do talentoso cineasta, a narrativa guarda uma inocência que já não identificávamos em produções recentes.
É possível que a cena de abertura a qual me referi no início do texto não tenha nascido com a intenção de motivar militância, mas de qualquer forma se torna um espelho reverso da América de hoje nos dizendo que nada mudou. Não se trata do longa abordar ou não questões sociais, mas é sempre bom ampliarmos a visão... cinema também é isso.
Vale Ver !
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