'Alvorada', de Anna Muylaert, narra as horas derradeiras que antecederam o Impeachmeant de Dilma Rouseff | 2021
NOTA 8.5
Por Rogério Machado
No entra e sai das enormes e inúmeras portas do Palácio da Alvorada, Dilma Rousseff atravessa o deserto das decisões a respeito de sua permanência como presidente da República. Nesse jogo de cartas marcadas, ela era só mais uma peça descartável dentro de uma engrenagem que já não a reconhecia mais. O motivo para seu impeachment? Um crime de responsabilidade que só existiu para a oposição. A premiada cineasta Anna Muylaert ('Que Horas Ela Volta' - 2015) lança um olhar Ãntimo e pessoal sobre a presidenta nas horas que antecederam ao golpe ocorrido em 2016.
O documentário, todo filmado dentro e nos arredores do Palácio da Alvorada, acompanha o cotidiano de Dilma, primeira e única mulher a governar o Brasil, durante o desenrolar dramático do impeachment que a tirou do poder. Rodado entre julho e setembro de 2016, o filme testemunha a tensão e a perplexidade que escalavam no cÃrculo da presidente, em reuniões, telefonemas intermináveis e sussurros ouvidos da cozinha à guarda do palácio de Oscar Niemeyer. Ao mesmo tempo, revela uma personalidade surpreendentemente forte e segura nas conversas informais em que Dilma fala de polÃtica, história, literatura, e claro, de si própria.
O documentário, até então inédito no Brasil e presente na programação do Festival É Tudo Verdade, em cartaz on line e gratuito até nesse fim de semana, traz uma leitura diferente do que esperamos num registro documental cujo tema trata de polÃtica. A produção da experiente cineasta funciona como uma espécie de ressaca- ou um lamento - de como tudo poderia ter sido diferente não fossem os interesses polÃticos de uma pequena elite de brasileiros, que se viam acuados pelo crescimento dos programas sociais que favoreciam o trabalhador. Muylaert abre a sessão on line declarando: 'depois de um longo perÃodo, finalmente consigo apresentar meu filme a vocês, e não poderia haver melhor momento do que esse, já que hoje fica ainda mais notório que se tratava mesmo de um golpe'.
A câmera de Muylaert é cirúrgica ao captar momentos despretensiosos, desde a regente maior até um simples cozinheiro que olha curiosamente para as lentes que seguem os quatro cantos do Alvorada. O documentário não pretende ser mais do que um registro da queda. Apesar de uma breve passagem em que a presidenta mais uma vez menciona a traição de Temer, a narrativa não demoniza seus algozes, só acompanha - com um olhar um tanto afetuoso - sua rotina e a rotina do lugar que uma dia a recebeu de braços abertos, porém com os narizes torcidos. É curioso notar que, nos dias que antecederam sua derrocada, a mulher mais poderosa do paÃs seguiu serena, firme, e com a certeza de que realmente não tinha mais nada a fazer a não ser esperar. Com a segurança de que não havia cometido penalidade alguma, a não ser a de não seguir o fluxo vicioso da corrupção.
Já no fim da projeção, a câmera flagra um urubu (aquela ave de rapina) adentrando o saguão e em seguida tentando ultrapassar (em vão) as vidraças que dão para os espelhos d'água do Palácio da Alvorada. Nada mais sugestivo para fechar o diário videografado de Anna Muylaert.
Vale Ver!
Deixe seu Comentário: