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'Better Days': um filme-campanha pela demolição do “playground” do bullying nas escolas | 2021

NOTA 7.5

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

This was our playground.

This used to be our playground.

This is our playground.

Na primeira sequência de “Better Days”, a câmera acompanha a escritura das frases acima no quadro de uma sala de aula onde uma professora de inglês ensina, levando em conta a noção de perda trazida por uma delas, a diferença semântica nos tempos verbais. Ao observar que uma menina visivelmente acuada não as repete junto com os demais alunos, a mestra demonstra por meio de suas expressões algo que se pode interpretar como um misto de preocupação e identificação. Após esse início em que texto e imagem formam uma clara ironia, um flashback vai retroceder dez anos para nos fazer compreender o que ambas poderiam ter em comum.

Representante de Hong Kong na disputa pelo Oscar de Filme Internacional, a adaptação do romance de Jiuyue Xi joga luz sobre um tema importante e pouco visto no cinema: o bullying. Através da história de Chen Nian, menina que passa a ser a vítima da vez após o suicídio de uma colega de classe, o longa de Derek Tsang deixa claro que não abrirá mão de suas intenções pedagógicas. Em diversos momentos temos a nítida sensação de que as falas proferidas pelos personagens são mensagens diretas para o espectador: “Se você não sofreu bullying, você fazia bullying.” é dito em determinado diálogo. Isso sem mencionar os inúmeros cartazes espalhados pelos cenários que funcionam como indicações não só para quem está dentro da narrativa, mas também para quem vive o mesmo drama na vida real.

O longa não nos poupa – nem deveria – de cenas de humilhação verbal e violência física, motivadas também pelo critério socioeconômico. E, como a história se desenvolve a partir das vivências de uma protagonista adolescente, o tom parece propositalmente exagerado, reverberando inclusive em decisões de linguagem como a predileção por uma edição picotada. Sua intenção é a de nos colocar para sentir as situações do mesmo modo veloz e amplificado que as pessoas nessa faixa etária, sendo a figura da personagem vivida por Zhou Ye, menina cujo perfil sádico e dissimulado colocaria qualquer vilã de “Malhação” no chinelo, um ótimo exemplo dessa maximização.

Tal como se viu em diversos exemplares de sucesso do cinema asiático, a obra também nos oferece uma narrativa que perpassa por diferentes gêneros. Embora possua raízes fincadas no melodrama, é notório aqui o trânsito pelas veredas do romance teen e do suspense policial. Entretanto, o excesso de reviravoltas do roteiro faz surgir, ao menos na visão dos realizadores, uma “necessidade” se voltar vez ou outra ao tema central e reforçar seus ensinamentos à exaustão.

É óbvio que um projeto que se dedica a um assunto tão pesado e pertinente precisa deixar seus posicionamentos bem evidentes. No entanto, reforçá-los a cada cinco minutos na mente do espectador talvez não seja a forma mais eficaz de se criar algum tipo de consciência. Opção compreensível, mas que abraça o risco do panfleto. Pegando o exemplo de “Parasita”, filme no qual jamais se verbaliza o termo “desigualdade” e que como poucos soube articular sua crítica social às opções estéticas do diretor, pode-se concluir que a mensagem se torna contundente e transformadora não à medida que vira um slogan de campanha educativa, mas sim através do impacto provocado pelo bom uso dos recursos audiovisuais.

De volta à personagem central, é nítida a intenção de fazer de Chen Nian, com sua lágrima solo que se torna uma espécie de refrão mudo de uma dor constante, alguém de quem o espectador precisa se apiedar para que, em seguida, surja o sentimento de empatia. É a pedagogia da tragédia retomada por Tsang. E para isso, Dongyiu Zhou se mostra uma escolha perfeita para a difícil tarefa de vivenciar, mesmo que protegida pelo escudo da farsa ficcional, tamanha avalanche de maus tratos.

Um dos aspectos mais comoventes da rotina de extrema pressão na qual vive Chan é a sua dedicação quase obsessiva à aprovação no exame vestibular, encarada por ela como a única maneira de pôr fim a seus sofrimentos. Nessa jornada de superação, em contraposição ao massacre diário encarado dentro e fora da escola, é na interação da moça com Xiao Bei, outro ser à margem, em que algum refúgio se edifica. Contudo, um dos maiores desafios da dupla é manter intacta uma boa química frente às recorrentes viradas da trama, ainda mais quando esta investe numa investigação criminal repleta de conveniências.

Projeto que parece pensado para ser exibido em auditórios escolares mundo afora, “Better Days” é irregular na conciliação do discurso que apregoa com os excessos na forma de transmiti-lo. De qualquer modo, mesmo que não seja capaz de desbancar o favorito “Druk – Mais uma Rodada” na premiação da Academia no próximo domingo, a vitrine conseguida por sua indicação já abre espaço para um diálogo necessário sobre violências, muitas vezes camufladas sob um perigoso verniz de brincadeira, que podem marcar pessoas para o resto da vida, não raramente criando estopins para atos irreversíveis.

Assim, para que a escola deixe de ser o playground dos cruéis, a aula de Derek Tsang vem apontar para a importância de uma observação mais atenta por parte dos adultos e das instituições que representam, absortos numa lógica de progresso acadêmico que, geralmente, acarreta em omissão no acompanhamento psicológico desses jovens cidadãos. E, somente através de um olhar mais humano, para além dos resultados, dias melhores em ambientes onde a educação deve sempre prevalecer serão realmente possíveis.


Vale Ver!



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