'Mães de Verdade' : Entre a contemplação e a emoção | 2021
NOTA 7.5
Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme
Há mais ou menos um mês, o Brasil se emocionava com o aguardado reencontro de Lurdes e Domênico em “Amor de Mãe”, mostrando o quanto histórias que abordam questões envolvendo maternidade são poderosas. Tocando nessa mesma temática, também pelos caminhos do melodrama, Naomi Kawase apresenta este “Mães de Verdade”, mais um capítulo de um cinema calcado na sensorialidade.
Dividido em dois grandes arcos que tendem a convergir, o longa pretende expor, sem julgamentos, diferentes perspectivas acerca do instinto materno e sobre como uma sociedade rígida como a japonesa encara o binômio gravidez precoce e adoção. Se, por exemplo, é curiosa a forma como o casal Kiyokazu (Arata Iura) e Satoko (Hiromi Nagasaku) lida com a impossibilidade de gerar filhos, chegando-se a uma resignada sugestão de separação na qual se vê claramente a humilhação sentida pelo marido, já não nos causa tanta estranheza o comportamento envergonhado da família da menina Hakiri (Aju Makita) frente à notícia de sua gravidez aos quatorze anos. Assim, levando-nos nesse pêndulo narrativo, com uma dedicação minuciosa a cada ponto de vista e às nuances que Kawase expõe muito bem, o roteiro dela em parceria com Izumi Takahashi e Mizuki Tsujimura mostra-se cuidadoso ao não criar um antagonismo folhetinesco que obrigue o espectador a escolher um lado.
O vento que balança desde folhas de cerejeira a cortinas, a luz diáfana do sol sobre os personagens, as ondas, os animais, são muitos os elementos que Kawase utiliza para evocar no espectador um estado de contemplação diante do que é natural e da passagem do tempo, sem deixar de lado as motivações que levaram aquelas mulheres a tomarem certas atitudes e, claro, a vivência de suas consequências. Da primeira cena, que mostra Sakoto cantando para o pequeno Asato praticamente hipnotizada de afeto, ao close do menino recém-nascido sorrindo ao receber um beijo da mãe adotiva, fica evidente que Kawase é mestra em detalhar sentimentos.
Nesse intuito, sua direção e o ótimo trabalho do elenco principal contribuem para momentos genuinamente belos. No entanto, se o longo flashback que mostra a história de Hakari é funcional pois permite que saibamos o que aconteceu com a mãe biológica da criança e o que a levou a entregá-la para outra família, outros retornos ao passado soam excessivos e acabam se chocando com a proposta contemplativa que a diretora vinha desenvolvendo. Além disso, a trilha sonora carregada e muitas vezes inoportuna se torna um outro elemento que fere a abordagem delicada da obra, forçando demais a dramaticidade em cenas nas quais tudo já estava expresso.
Com uma estética quase malickiana, Naomi Kawase parece querer capturar um aspecto divino da maternidade, reforçando-a como um precioso dom natural, que é maculado por convenções retrógradas que geram conflitos difíceis de sanar. Artista capaz de extrair poesia dos instantes mais sutis, a diretora de “Floresta dos Lamentos” (2007) entrega bastante daquilo que já se configura como uma assinatura em sua obra. Contudo, diferente do que foi lindamente exibido no arremate da saga de Lurdes e Domênico na trama de Manuela Dias, falta a “Mães de Verdade” – muito por conta de seu fascínio pelos flashbacks - um clímax à altura de histórias como essa, que clamam para que se abrace, sem medo e na hora certa, o melodrama.
P.S.: E quis o destino, numa dessas tristes ironias da vida, que o nosso querido Paulo Gustavo, intérprete da mãe de maior sucesso do cinema nacional, partisse justamente na semana do Dia das Mães. Sem dúvidas, uma perda enorme para a cada vez mais necessária arte do riso. Obrigado, Paulo, por fazer tanto pelo audiovisual brasileiro e por trazer alegria a milhões de espectadores. Seu legado jamais será esquecido. Descanse em paz.
Vale Ver!
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