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Como 'Luca' reflete o necessário respeito às diferenças | 2021

NOTA 9.0

O seu reinado de covardia está próximo do fim 

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Devo começar já dando o meu parecer mais justo quanto à obra aqui observada: ‘Luca’ não é o melhor título do vasto catálogo criativo da Pixar, mas é sem dúvida um dos mais importantes. O filme que o estúdio apresenta desta vez, dirigido por Enrico Casarosa, é uma curiosa alegoria sobre o preconceito em todas as suas classes e camadas, e entrega, desde o seu primeiro minuto, um verdadeiro deleite visual enquanto explora os encantos da Riviera Italiana com a fictícia vila de Portorosso. Contudo, o que temos diante de nós não é um filme com o padrão convencional da Pixar nem em estrutura de roteiro e nem em estilo de animação.
 

Quanto ao roteiro, não existe uma experiência complexa como ‘DivertidaMente’, ‘Wall-e’ ou o recente ‘Soul’, pois aqui o simplismo é determinante para compreender o ritmo mais acelerado e o cunho mais inocente da produção; quanto à animação, parece mais ser um filme da DreamWorks/Aardman do que da Pixar, já que há traços sutis de stop motion e as expressões são mais caricatas do que verossímeis (e ver peixes balirem como ovelhas é um tipo de surrealismo “bizarro” mais típico da concorrência). Além disso, vale notar que a movimentação dos personagens (principalmente a boca, sem lábios) é na maioria das vezes mais picotada do que orgânica, lembrando muito o estilo adotado em ‘Snoopy e Charlie Brown - Peanuts, O Filme’ (2016), do finado estúdio Blue Sky - mas isso não significa que o filme não tenha sua própria identidade visual. Casarosa, que foi responsável pelo belíssimo curta metragem ‘La Luna’, trabalha aqui um estudo social que é essencial para o período atual: o respeito e a aceitação à diversidade. Esse discurso é transcrito à tela com a presença colorida de criaturas marinhas monstruosas que se convertem em humanas quando ingressam na superfície, com todo o quê do folclore italiano e os mitos sobre suas águas misteriosas.

A trama gira em torno do personagem-título Luca, que é um monstro marinho e vive com a família em uma área costeira da Itália. Sua rotina de pastorear peixes/ovelhas é quebrada quando ele conhece Alberto, que é outro monstro marinho mas mora em terra firme. Luca passa a frequentar a superfície com seu novo amigo, e, com a descoberta da família dessa vida paralela e a represália que se deu com o castigo de ir morar nas profundezas do oceano com um tio esquisitão, Luca foge de casa para se aventurar com Alberto e descobrir o mundo. Ao se aliarem a Giulia, que é uma garota deveras esforçada, eles se dedicam a treinar para um campeonato que dará a eles a oportunidade de comprar o veículo dos seus sonhos: uma Vespa. O filme pode parecer exaltar a desobediência ou a rebeldia, e embora ele até tenha algum caráter transgressor não é esse o seu ponto de debate; é a sociedade que Luca encontra quando sai das águas e decide conhecer o mundo. Luca é visto como uma abominação, quando na verdade ele não deixa de ser um garoto comum mesmo embora seja fisicamente diferente, sendo que enquanto se parecia com os demais era plenamente aceito na comunidade.

Existe aqui uma paráfrase à vida de muitas pessoas que não são heterossexuais. Os dilemas e desafios para a aceitação social sem ser perseguidos como monstros são temas que pulam da tela enquanto Luca e Alberto se esforçam para não serem descobertos. Mas não se engane, Luca e Alberto não são um casal. Há, evidentemente, um aceno à possibilidade de interesse por parte de pelo menos um deles, mas isso é uma especulação não confirmada, que depende da interpretação empírica de cada um. Contudo, independente de as expressões de ciúmes serem relacionadas à amizade ou a interesses amorosos, a obra se estabelece eficientemente bem como uma metáfora LGBTQIA+ por retratar a maneira como tais indivíduos são, cotidianamente ainda, vistos pela sociedade de um modo geral.

Com uma necessária mensagem de aceitação e respeito, 'Luca' vai além do mero escapismo e do discurso de "pôr um fim no império do mal e da injustiça" de valentões com bigode ralo, se apresentando enfim como uma aula sobre respeitar quem o coleguinha é. Afinal, um filme que se abre com ‘Un Bacio a Mezzanotte’ e logo engata com a icônica ‘O Mio Babbino Caro’, de Giacomo Puccini, tinha tudo para fazer bonito. Com uma trilha sonora impecável e um design de produção arrebatador, o filme é uma ópera à liberdade e ao amor, nos lembrando da importância de sermos livres para vivermos nossas próprias escolhas. Livres como gravidade.


Super Vale Ver!




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