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Estreia de Viggo Mortensen na direção, “Falling” é um drama sobre o que não podemos esquecer | 2021

NOTA 7.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

Há um pouco mais de dois meses aportava em território nacional “Meu Pai”, filme que trazia uma atuação memorável de Anthony Hopkins na pele de um idoso que sofria com os efeitos da demência. E hoje, diante de “Falling”, longa de estreia de Viggo Mortensen na direção, é natural que se busque logo fazer algum tipo de comparação. No entanto, há poucas semelhanças.

Enquanto “Meu Pai” se dedica a fazer com que o espectador experimente através dos recursos da linguagem cinematográfica o desnorteamento de Anthony e a mostrar como sua filha (Olivia Colman) lida com a situação, “Falling” investe numa estrutura mais tradicional, privilegiando o uso de flashbacks para contextualizar o ponto em que se encontra, no presente, a relação dos protagonistas, pai e filho vividos por Lance Henriksen e pelo próprio Mortensen.

Projeto bastante pessoal de nosso eterno Aragorn, que decidiu trilhar por caminhos menos óbvios após o estrelato com a trilogia “O Senhor dos Anéis”, a produção possui um leve caráter autobiográfico. E, talvez por isso, tenha faltado a ele, para além de uma maior experiência como realizador, o distanciamento necessário para observar estratégias que não funcionariam dentro do drama íntimo que decidiu contar.

Apostando na surpreendente (ao menos para mim) veia dramática de Henriksen, a narrativa não caminha para um aprofundamento de seu personagem, fazendo com que Willis seja na maior parte do tempo apenas um sujeito intragável que ofende as pessoas como forma de lidar com as amarguras do passado. E na relação dele com o filho homossexual John (Mortensen), que optou por ignorar as provocações do pai, encontraremos o principal conflito da trama muito por conta dos inúmeros preconceitos que este despeja gratuitamente sempre que possível.

Apesar de as composições de ambos os atores não saírem de seus respectivos tons monocórdios – conte quantas vezes John balança a cabeça diante dos absurdos proferidos por Willis –, alguns dos “embates” entre eles ainda compõem um dos aspectos positivos de “Falling”, pois cada qual representa, em certa medida, não só um posicionamento particular frente à vida, mas também personifica visões opostas (políticas, inclusive) de um país. De um lado temos o fazendeiro rústico e preconceituoso que simboliza a ala mais conservadora da sociedade estadunidense; do outro, o piloto comercial casado com um homem de ascendência asiática e que adotou uma criança latina, o que para o roteiro também escrito pelo ator e diretor são traços que refletem muitas das pautas defendidas pela parcela mais progressista daquela nação.

Outro ponto interessante tocado por “Falling” é a masculinidade tóxica. Nesse sentido, a caça, as forças armadas e o faroeste são alguns dos elementos que surgem como símbolos de um ideal de homem que Mortensen procura criticar. Para isso, os já mencionados flashbacks atestam como a personalidade e o comportamento de Willis, sobretudo no trato com a esposa Gwen (Hannah Gross), foram pouco a pouco destruindo a família que formou. Resta-lhe agora a culpa que, dentro dessa lógica que “impede” homens de reconhecerem suas fragilidades, manifesta-se de forma ainda mais agressiva também por conta da doença e da consciência da proximidade da morte.   

Embora não consiga equilibrar tão bem a transição entre cenas que intencionam ternura, como quando Willis vai sozinho à praia ou quando fala do relógio com a neta, e aquelas em que aposta na verborragia ofensiva e desconexa do idoso, o début de Viggo Mortensen por trás das câmeras é mais feliz quando se dedica às sutilezas. Planos como o de abertura, que diz muito sobre o que será visto no decorrer da história, ou aquele em que captura a pulsação no pescoço de Gwen, provam que há um grande potencial a ser desenvolvido. Estes e outros momentos mais irônicos, como o que conta com a participação do cineasta David Cronenberg (parceiro de Viggo em outros projetos) numa ponta em que ele novamente se “aprofunda” nas questões do corpo humano, farão com que “Falling” não caia no esquecimento.  


Vale Ver!



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