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'Os Melhores Anos de Uma Vida' : uma deliciosa viagem pelos caminhos das memórias afetivas | 2021

NOTA 9.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme 

“Os melhores anos da vida de alguém ainda estão por vir.” (Victor Hugo)

Embora a frase do célebre escritor francês que abre “Os Melhores Anos de uma Vida” traga uma ideia de projeção acerca do futuro, o que comanda a narrativa do filme é o seu diálogo com o passado. Revisitando mais uma vez o casal protagonista de “Um Homem, Uma Mulher” (1966) - praticamente ignorando a sequência de vinte anos depois -, o cineasta Claude Lelouch abre caminho para um passeio por deliciosas memórias afetivas.

Desde o primeiro (e maravilhoso) diálogo entre Anne (Anouk Aimée) e Jean-Louis (Jean-Louis Trintignant), vemos o quanto o longa busca evocar tais memórias, mas sem deixar de desenvolver o momento presente. Essa primeira conversa entre eles, depois de tanto tempo, é cheia de ambiguidades e sugestões. Isso muito por conta do estado de saúde de Jean-Louis, que é explorado de forma bastante inteligente pelo roteiro. Assim como os funcionários da casa de repouso onde está internado, nunca sabemos se o ex-piloto está sendo sincero sobre seus esquecimentos ou se está só se aproveitando de sua “condição” para pregar peças em todos e, com isso, conferir algum prazer a seus dias monótonos.


Chama a atenção a forma como o projeto recorre à metalinguagem – um dos bem-vindos resquícios do longa de 1966 – remetendo diretamente aos filmes da Nouvelle Vague. Não à toa, Lelouch coloca Antoine (Antoine Sire), filho de Jean-Louis, como um teórico de cinema que abre espaço para uma bela homenagem a “Ladrões de Bicicleta”, clássico do Neorrealismo Italiano que seria dos maiores influenciadores do movimento francês e que, segundo as palavras dele, ironicamente conta a história de um filho que salva o pai. Além dessas referências, os devaneios de Jean-Louis aludem claramente a produções dos anos 1960 como “Acossado” e “O Demônio das Onze Horas” (ambas dirigidas por Jean-Luc Godard) que, ao emularem o sentimento de aventura dos policiais e westerns hollywoodianos das décadas anteriores, acabam representando um período de maior efervescência não só da vida de Jean-Louis como também daquele tipo de expressão artística da qual seu intérprete é símbolo vivo.  

Aliados a isso, retornam os carros, as praias de Deonville, a trilha sonora de Francis Lai (com canções de Vinícius de Moraes e Baden Powel) entre tantos outros elementos icônicos que surgem como espectros que mais nos afagam do que nos assombram durante este passeio pelo túnel do tempo criado por Lelouch. Com trânsito liberado entre passado e presente, o realizador volta a versar sobre as dificuldades e as delícias da vida a dois, sobre as impossibilidades que criamos e as vivências perdidas que, nem sempre, podemos recuperar: “Você queria ser a última mulher da minha vida. Isso assusta.”, diz Jean-Louis em dado momento.

Longe de soar como um acerto de contas entre duas almas impedidas pelas próprias escolhas de viverem um grande amor na plenitude, “Os Melhores Anos de uma Vida” apazigua sua linguagem para nos trazer à mente um filme no qual o frenesi do movimento (dos corpos, dos carros, do cinema!) ditava o ritmo. Agora, saem os sobressaltos bruscos e intensos daquela juventude vanguardista em busca de liberdade, e entram a calma e a simplicidade dos planos abertos e contrapostos, mais condizentes com a maturidade trazida pelos anos. A impulsividade febril das ações, marcada na urgência proposta pela montagem lancinante de outrora, dá lugar à serenidade quase estática que privilegia elegantemente a palavra de quem já viveu o bastante para entender o papel do tempo.

Entre memórias e sonhos (melhor não distingui-los) Claude Lelouch não quer nos devastar como fez Michael Haneke em “Amor”, testemunho doloroso do esvanecimento gradativo da companhia de uma vida estrelado por Emmanuelle Riva e este mesmo Trintignant; tampouco almeja nos criar expectativas como o próprio Lelouch fizera em seu poema romântico vencedor da Palma de Ouro em Cannes e dos Oscars de Filme Estrangeiro e Roteiro Original. Na verdade, o cineasta parece usar sua obra – atenção à inserção do curta “C’était un Rendez-vous” realizado por ele em 1976 – como uma espécie de portal para revisitar sensações enquanto proporciona, a reboque, a mesma viagem a seus amigos e, claro, ao público que decidir embarcar em seu charmoso Citroën CV2.  


Super Vale Ver!



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