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Especial: A Trilogia das Cores e o minimalismo de Krzysztof Kieślowski | 1993 - 1994

Por Rogério Machado 

Nem toda trilogia representa uma sequência de fatos. Mas é bem verdade que todos os projetos que compõem  uma trilogia sustentam um ponto em comum. Na chamada trilogia das cores, do cineasta polonês de nome quase impronunciável Krzysztof Kieślowski, esses pontos são exageradamente sutis, e diria que residem muito mais na concepção e na filosofia do conjunto de obras , do que propriamente algo que salte aos olhos. 'A Liberdade é Azul' (1993), 'A Igualdade é Branca' e 'A Fraternidade é Vermelha' nasceu da ideia de homenagear a Revolução Francesa, mas quem esperava produções grandiosas e monumentalistas elevando o movimento, se deparou com um projeto minimalista e cheio de conceito. 


O episódio em que a obra nasce é curioso: na década de 1980, o cineasta se muda para a França atraído por melhores condições financeiras e motivos políticos. É lá que o já conhecido diretor do filme “A Dupla Vida de Véronique” (1991) recebe o convite para homenagear, através do cinema, o bicentenário da Revolução Francesa - acontecimento histórico que originou o famoso lema "Liberdade, Igualdade, Fraternidade". O resultado não foi um épico ou uma grande saga que elevasse personagens, cenários e arquivos históricos que enaltecessem a França, ao invés disso a proposta foi a seguinte: qual a importância da liberdade, igualdade e a fraternidade para sociedade hoje, ou qual é a relação das cores da bandeira francesa com os indivíduos? Assim nasceu a Trilogia das Cores. 

A LIBERDADE É AZUL 

No primeiro filme da trilogia, que inclusive levou um Goya de Melhor Filme Europeu e um Leão de Ouro em Veneza, seremos apresentados à uma famosa modelo, Julie (Juliette Binoche), esposa de um renomado maestro e compositor francês que morre em um desastre automobilístico com a filha do casal, de apenas cinco anos de idade. A mulher, única sobrevivente da tragédia, vê-se na situação de ter que lidar com essas perdas e seguir sua vida. Ela decide por renunciar sua própria vida, e após uma tentativa fracassada de suicídio, Julie recebe a encomenda de finalizar uma composição para coro e orquestra que havia sido solicitada ao seu esposo, uma canção pela unificação da Europa. A tarefa a levará a descobrir detalhes da vida do esposo que ela desconhecia, e a se envolver com um outro homem, amigo do casal.


A fotografia de 'A Liberdade é Azul' dá destaque para o azul em detalhes discretos e outros mais escancarados durante a projeção. A história nos conta sobre desprendimento e sobre reaprender a andar sozinho. Ser livre, com o tempo pode trazer gozo, mas também confere grandes responsabilidades. 

A IGUALDADE É BRANCA 

No segundo filme da trilogia, conheceremos Karol (Zbigniew Zamachowski), um imigrante polonês que acabou de se divorciar de sua esposa francesa, Dominique (Julie Delpy), num tribunal em Paris. O acordo é humilhante para ele, deixando-o sem um centavo e fazendo-o ter que pedir dinheiro no metrô de Paris. Voltando para a Polônia e tendo que trabalhar como cabelereiro, Karol começa sua luta para restaurar a igualdade para sua vida, numa vingança contra Dominique que será planejada friamente e com aquela ajudinha do destino. 


Por muitos essa sequência é considerada a mais fraca, mas certamente é a produção com maior apelo popular entre a trilogia. Lançando mão de muito humor, o cineasta usa o mote da vingança para evocar  a igualdade entre uma mulher insatisfeita no casamento e um homem que não consegue corresponder às necessidades dela. 

A FRATERNIDADE É VERMELHA

O  terceiro e último filme acompanha a modelo Valentine (Irene Jacob), que atropela um cachorro e descobre, através do endereço em sua coleira, que o cão pertence a um juiz aposentado (Jean-Louis Trintignant). Ao devolver o animal, ela descobre também que o juiz tem o estranho hábito de escutar as conversas telefônicas de seus vizinhos, o que provoca repulsa na garota. Mas, com o passar do tempo, eles acabariam desenvolvendo uma bela amizade, que seria capaz de fazer com que cada um passasse a tentar compreender os defeitos um do outro. 


De todos os filmes da trilogia, 'A Fraternidade é Vermelha' é certamente o mais palpável. O tema correspondente à cor da bandeira, é reconhecido nas ações dos personagens. Fazer o bem sem olhar a quem é a máxima desse fechamento da trilogia, que aposta no vermelho sem cerimônia tanto na direção de arte como na fotografia. 

É certo que o obra de Krzysztof Kieślowski não é uma obra fácil e palatável para todo público, mas sem dúvidas é a prova de que lançar mão  do incomum pode dar muito certo. 

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