'Álbum em Família' revisita o melhor de Nelson Rodrigues em tempos pandêmicos | 2021
NOTA 8.0
Por Karina Massud @cinemassud
Transgressor, ousado e politicamente incorreto desde os anos 40, sempre colocando em cheque os valores tradicionais da sociedade, Nelson Rodrigues continua atualíssimo com suas obras questionadoras e polêmicas.
Competidor na seleção principal do Festival de Gramado 2021, “Álbum em Família”, adaptação de uma peça do escritor, é lançado vencendo desafios. Em tempos de “novo normal”, distanciamento, máscaras e higiene extrema; ensaiar, montar e filmar uma produção é um trabalho hercúleo que exige criatividade e talento. O filme também é fruto da resistência de uma cultura brasileira cambaleante que a duras penas consegue sobreviver; pois além da estagnação provocada pela pandemia ainda luta contra o descaso e desmonte governamental acintoso. O cinema tem vencido, superando essas adversidades graves e se ressignificando aqui e acolá, com adaptações que, em grande parte, acabam se tornando características inusitadas das produções.
Feito remotamente na casa de cada ator do elenco e gravado por familiares com o que tinham à mão, “Álbum em Família” ganha nas mãos do diretor e roteirista Daniel Belmonte uma montagem genial e moderna, adequada ao isolamento social e subvertendo a fórmula do já subversivo escritor.
A trama é simplesmente sobre a tradicional família brasileira, o que pode o que não pode existir no âmbito familiar. Família nunca foi algo fácil pra ninguém, tendo segredos incestuosos nem se fale, a dificuldade vai pra outro patamar. E aqui todo mundo tem tesão por todo mundo e às vezes parece que alguns membros chegam às vias de fato, pra desespero do espectador mais conservador. O racismo e o machismo são debatidos no filme, tanto nos dias atuais quanto na época em que a peça foi escrita (1945, foi proibida em 1946 e apenas liberada pra encenação em 1965, tamanha a polêmica que gerou), e a discussão é entre o próprio elenco mas com olhares atuais. O tão falado “cancelamento” nas redes sociais e ainda a separação entre o artista e sua obra são questionados, e cada um dá sua opinião sem papas na língua.
Não há contato entre os personagens, apenas takes de ensaios de trechos individuais, cenas protagonizadas e comentadas pelo elenco e o diretor com bastante humor e sinceridade. Um humor afiado de gente inteligente que não se leva tão a sério diante de uma situação inusitada. Crítica e autocrítica afiadas dão a tônica do filme: “Mas esse Nelson Rodrigues é muito chato” - o deboche está presente na maioria das cenas e é preciso coragem para desgostar do reverenciado dramaturgo. Daniel Belmonte é um diretor fervilhante que torna a linguagem antiquada numa narrativa deliciosa através do ritmo acelerado e enfoque atual.
Uma tragicomédia ousada tratada de forma leve e original, num filme que faz juz ao grande Nelson Rodrigues.
Vale Ver!
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