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As melancolias da vingança em 'Infiltrado', de Guy Ritchie | 2021

NOTA 8.0

Repleto de testosterona fria, mas com coração 

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Tendo dirigido os excelentes 'Snatch: Porcos e Diamantes' (2000), 'RocknRolla: A Grande Roubada' (2008), e o surpreendente 'Magnatas do Crime' (2020), Guy Ritchie já é um diretor consolidado no gênero de filmes sobre gangues de rua tanto quanto Martin Scorsese era nos filmes de máfia quando tinha sua idade, 52. Ritchie não trata o "crime menor" com a mesma nobreza que Scorsese trabalhava o código de ética dos mafiosos - mesmo embora o aborde com um certo charme e até com algumas doses de glamour, até porque tratam-se de filmes de assalto -, mas sim o qualifica como um vício urbano prático e volátil. Em seu novo filme, 'Infiltrado' (2021), Ritchie volta a trabalhar com Jason Statham (que estrelou 'Snatch') e emprega uma abordagem mais humana e emotiva com um olhar de dentro para a rede do crime corriqueiro.


O filme se abre com um plano sequência durante um assalto, onde acompanhamos a câmera no interior de um carro-forte enquanto a cena se desenrola do lado de fora entre gritos e tiros. Após esse evento (e a exibição dos créditos iniciais, que revelam que este filme é uma versão do francês 'Le Convoyeur', de 2004, dirigido por Nicolas Boukhrief e estrelado pelo posteriormente vencedor do Oscar na categoria principal de atuação masculina, Jean Dujardin), somos apresentados ao personagem de Statham, que aqui interpreta um homem misterioso (chamado Patrick Hill, ou apenas H) que se torna um herói na empresa de transporte de valores onde trabalha já no segundo dia após sua admissão. No episódio em questão, ele salva um colega que foi tomado como refém e impede que um grande assalto seja bem sucedido, e aos poucos o roteiro revela quem H realmente é e o que ele planeja ao se infiltrar em uma empresa que transporta milhões de dólares diariamente. 

É muito bom ver Ritchie retornando ao gênero que o consolidou, mas deve-se admitir que 'Infiltrado' pode ser facilmente confundido com um dos filmes de Jaume-Collet Serra, daqueles onde o protagonista é vivido por Liam Neeson. Existem, inclusive, várias semelhanças entre este filme e 'Noite Sem Fim' (2015), seja na jornada paternal que busca reparar erros de uma vida criminosa, na fotografia que escolhe paletas frias e brinca com o zoom flertando com os elementos técnicos de som, ou até mesmo na trilha sonora belíssima e emocional que induz a tensão e a compaixão com uma precisão cirúrgica (composta no filme de Serra por Tom Holkenborg, vulgo Junkie XL, e aqui brilhantemente criada pelo multitalentoso e oscarizado Christopher Benstead). A melodia expressa por Benstead fica na cabeça por muito tempo após o término da sessão, e os acordes inquietos das cordas na cena final são a cereja do bolo para essa que é facilmente um dos melhores trabalhos de trilha sonora do ano. A maneira como ele casa os graves de baixos e cellos com as batidas ritmadas é hipnotizante e dá o tom perfeito de urgência que o filme exige.

É fácil notar também alguns traços de Tarantino, mas não no teor de violência (embora aqui ela também seja usada como elemento de recompensa ao público perante as atrocidades e injustiças provocadas pelos vilões). O aspecto tarantinesco se faz na divisão da trama em capítulos e, principalmente, no tempo gasto desenvolvendo e explorando os antagonistas. Os vilões aqui ocupam um espaço enorme de tela, algo que beira metade do filme, e com isso revisitamos duas ou três vezes uma mesma cena sob perspectivas diferentes, enquanto Ritchie monta o cenário da vingança de H apresentando suas reais motivações em camadas não sequenciais. O filme muda seu tempo diversas vezes, e o período de menos de seis meses entre a conclusão da ópera sanguinolenta que H levanta e o ponto inicial que desencadeou sua vingança é como um emaranhado que se desenrola aos poucos, sem pressa para se fazer entender e, com isso, levando o público a conclusões precipitadas (ou não) sobre o caráter dos coadjuvantes. 

Sendo mais do que um filme de assalto, 'Infiltrado' se mostrou uma excelente trama de vingança. A jornada de H é emotiva e paciente, coberta de erros e atitudes questionáveis, mas desenvolvida sem se acelerar e, por consequência, evitando tropeços em si mesma. O herói, nesse caso, também é um bandido e um agente da tardia justiça para os que cruzam o seu caminho. Entre tiros, traições, revelações e acertos de contas, 'Infiltrado' é uma surpresa gratificante que merece o prestígio da tela grande.


Vale Ver!



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