'Casa de Antiguidades': filme é o retrato de um Brasil racista e intolerante | 2020
NOTA 9.5
Por Rogério Machado
Esse é apenas o primeiro trabalho do cineasta João Paulo Miranda Maria, que juntamente com o já experimentado Felipe Sholl, assina o roteiro dessa que pra mim é uma das melhores coisas que vi de um ano pra cá. O jovem diretor já demonstra domínio com maturidade de sua obra, pelo conceito da realização, que representa o que de melhor temos no país hoje através do cinema de gênero, que a cada ano vem demonstrando que podemos sim falar de nossas mazelas sociais e ainda sim sermos originais e interessantes. Em 'Casa de Antiguidades', que detém o selo de qualidade do Festival de Cannes, mesmo depois do cancelamento da edição de 2020, veremos que uma linguagem vanguardista, dura e direta é fundamental para que o recado seja dado sem didatismos chatos e repetitivos.
Ambientado no Brasil atual, o filme nos apresenta Cristovam (Antônio Pitanga), um homem negro do norte rural que se muda para uma antiga colônia austríaca, no sul do país, para trabalhar em um laticínio. Diante de conservadores xenófobos, ele se sente isolado e alienado do mundo branco. Cristovam descobre uma casa abandonada, cheia de objetos e recordações que o lembram de suas origens. Ele se instala ali, reconectando-se com suas raízes. Como se esta casa de memórias estivesse viva, mais objetos começam a aparecer. Aos poucos, Cristovam passa por uma metamorfose.
Com essa transformação a trama vai ganhando traços sombrios, e ao mesmo tempo que é cirúrgica e literal ao abordar questões sociais como racismo e xenofobia, também flerta com o fantástico toda vez que existe uma reação por parte do protagonista às represálias da comunidade em relação a ele. Não há economia por parte do realizador em tratar às claras esses temas espinhosos e cruéis com a sanha que lhe é devido, e assim alcançar o nível de tensão e suspense com sequências violentas e sangrentas. É louvável a habilidade de João Paulo Miranda Maria em dosar todos esses elementos e entregar uma trama que prende o público na cadeira até o final da projeção.
'Casa de Antiguidades' é o retrato de um Brasil racista, que despreza a mão de obra com idade avançada (as falas cortantes logo na abertura escancara esse pensamento), e nitidamente preconceituoso com as diferenças culturais. Cristovam, em sua trajetória, vai absorvendo todo o ódio produzido à sua volta e devolve esse mesmo ódio em ações desconexas, machistas e violentas. Um homem simples, que vai sendo dilacerado com o passar do tempo, perdendo toda a humanidade que uma vez habitou nele. A morte é espelho das escolhas criativas do filme, que se revelam no olhar do personagem que as lentes do cineasta fazem questão de captar.
E pra não dizer que não falei de Pitanga, é sim a sensibilidade desse grande ator que faz de 'Casa de Antiguidades' o filme que ele vai se tornando, mesmo com o subir dos créditos.
Super Vale Ver!
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